quinta-feira, 12 de março de 2020

Maria: vítima na Vítima


Alexandre de Hollanda Cavalcanti
Acompanhar a Quaresma com Maria é bem diferente... Por isso quero te convidar a conhecer uma verdade teológica muito importante: Maria também é vítima por nossa salvação!
Alguém poderia perguntar: mas então... Ela é corredentora?
A Igreja ainda não se pronunciou sobre este termo específico, mas sim sobre a missão de Maria como colaboradora ativa em nossa salvação. Se Maria não tivesse participado ativamente de nossa salvação, Ela seria a mãe de nosso Salvador, mas não seria nossa mãe. No texto anterior, havíamos falado sobre a expressão de São Ruperto de Deutz: “O parto doloroso de Maria”.

É exatamente por ser vítima, por sofrer, compartilhando a intenção de Nosso Senhor de salvar a humanidade, que Maria é nossa Mãe espiritual. A Igreja ensina que, junto à Cruz, a Santíssima Virgem consentia voluntariamente na imolação de seu Filho para a redenção de todo o gênero humano. É importante observar uma expressão que só aparece no Evangelho de São João: “Junto à Cruz”. Os outros Evangelistas não a utilizam! A palavra “junto”, em grego istemi, ou juxta, em latim, tem um sentido muito específico: não significa somente “estar próximo”, mas é estar “de pé”, “apresentar-se”, numa atitude de prestatividade ativa[1].

Em seu recente livro sobre Maria Santíssima, Monsenhor João Clá se pergunta: “Por que o Evangelista afirma que Ela permanecia de pé? Não seria mais belo se Maria estivesse prosternada ou ajoelhada?” Ele mesmo responde: “Não, porque Ela participava daquela imolação”. Sua postura testemunha que Ela vivia a Paixão junto com seu Filho, procurando servir-lhe de sustento e consolo. Ela, que havia sido declarada “bendita entre todas as mulheres”, é agora considerada pelo populacho que insultava a Jesus crucificado, como a mais desprezível das mulheres, mãe de um condenado à morte infamante.
Quando nós passamos por algum drama em nossa vida, sempre encontramos consolo olhando para Jesus crucificado... a única criatura humana privada deste apoio espiritual foi Maria: contemplar a Jesus Crucificado aumentava seu sofrimento! Mas, se invertemos a perspectiva, e olhamos do alto da Cruz, vemos que Ela era a única criatura capaz de consolar seu Filho, que se contorcia entre as alucinantes dores da crucifixão, humilhado pelo desprezo daqueles pelos quais Ele sofria[2].
É exatamente junto à Cruz, pela união total de sofrimentos, que Maria exerce seu papel de “nova Eva”, tornando-se mãe da “humanidade nova” redimida pelo sangue de Nosso Senhor Jesus Cristo.
Maria se oferecia aceitando voluntariamente cada passo do desenlace doloroso da Paixão, caracterizando a união de duas vítimas: Jesus é a Vítima ao Pai e Maria é a vítima em Jesus. Foi tão grande a união dos dois que, se fosse possível, ensina o Papa São Pio X, Ela teria sofrido com gosto todos os tormentos que padeceu seu Filho[3].
Os Evangelhos deixam claro que a presença de Nossa Senhora durante a Paixão foi desejada intencionalmente por Ela. O próprio Jesus Cristo ressaltou a importância desta presença, dizendo-nos: “Eis aí a tua Mãe!”
Alguém poderia contestar: “Mas Jesus disse isto a São João, não a nós!”
A expressão “o discípulo amado”, ou “o discípulo que Jesus amava”, aparece seis vezes no Evangelho de São João e é muito discutida pelos teólogos, que propõem diversas teorias sobre a identidade deste discípulo. Uma característica dos escritos de São João é permitir duas, três ou até quatro níveis de interpretação sobre seus textos. Assim, a expressão “discípulo amado” identifica, ao mesmo tempo, o próprio Apóstolo João e os seguidores de Jesus de todos os tempos, quer dizer, os cristãos. Conclusão: não foi só a João, mas a você, a mim, a toda a humanidade, que Jesus revelou a maternidade de Maria que se consumava naquele momento cruciante.
Jesus havia dito a Nicodemos que era necessário “nascer de novo” para entra no Reino dos céus (Jo 3,3), expressão que confundiu o mestre da Sinagoga. Ao dizer “eis aí a tua mãe”, Jesus indica o modo de “entrar de novo no sei de uma mãe e nascer para Deus”: é fazer-se filho de Maria para voltar a ser criança e nascer dela, através de um novo “parto” pelo qual Maria dá à luz para Deus os novos filhos nascidos do sacrifício de Jesus Cristo. Esta perspectiva conduz a que, passado o drama da dor, e abertas as portas do céu, Maria se alegre com a vitória de seu Filho e com o nascimento da “humanidade vivente”, da qual Ela é mãe.
Como vítima redimida, participante e unida à Vítima redentora, a hora de Maria é a paixão e morte de Jesus: uma mesma dor oferecida ao Pai, com graus distintos, mas em total união de intenções. Quando Pilatos apresenta jesus e diz: “Eis aqui o Homem”, ele o está apresentando em sua relação total com sua Mãe, de quem Ele recebeu toda a natureza humana. Esta Vítima oferecida ao Pai é tirada do que é nosso, da nossa própria natureza, — afirma Hugo de São Victor — pela aceitação de Maria.
Sem dúvida, o momento culminante da participação dolorosa de Maria se dá durante os últimos momentos de vida de seu Filho, que se concluíram com o Consummatum est: Tudo está consumado! Aí Ela sofria junto com Jesus, através de sua compaixão. A dor de Jesus é a dor de Maria; os cravos que penetram o corpo do Filho, ferem as entranhas da Mãe. Sua dor se une à de seu Filho que tem sua liberdade onipotente presa por três cravos, criação de suas criaturas.
O Senhor havia dito: “onde está o teu tesouro, aí está teu coração” (Mt 6,21). Onde poderia estar o coração de Maria, senão no coração de seu Filho que estava cravado na Cruz? Seu oferecimento difere do de Jesus em forma e em essência, mas não em intenção e dor. Ela tinha inteira consciência ade que a Cruz era o preço do perdão dos pecados, ao mesmo tempo que era, para Ela mesma, o preço de sua conceição imaculada[4].
Ao olhar para a Cruz durante esta Quaresma, sigamos a indicação de Jesus e olhemos para Maria. É unindo a Ela cada momento de nossa vida, cada alegria, cada dor, cada sofrimento, que melhor nos unimos ao sofrimento de Jesus. Se compartilhamos com Cristo nossos sofrimentos, Ele compartilhará conosco sua vitória que se proclamou gloriosamente na Ressurreição.
Não permitas que a dor, a dúvida, a provação, desviem os motivos e intenções de teus sofrimentos. Vive a dor com Maria e compartilharás a glória do céu. Porém se vives tua dor nas profundidades escuras de teu egoísmo, lanças ao abismo tuas lágrimas, enterras teus méritos nas profundidades obscuras da terra. Olha a Jesus, contempla Maria e tua alma estará sempre com os olhos fixos na glória que te está prometida se fores fiel a este sacrifício que Cristo ofereceu para tua salvação.
Nos encontramos na próxima semana para continuar nossa caminhada quaresmal unidos à Santíssima Virgem, Mãe de nosso Redentor.


[1] Cf. J.C-R. García Paredes, Mariologia. Síntese bíblica, histórica e sistemática, 148-149.
[2] Cf. Clá Días, João Scognamiglio. Maria Santíssima! O Paraíso de Deus revelado aos homens. II, Os mistérios da vida de Maria: uma esteira de luz, dor e glória. São Paulo: Arautos do Evangelho, 2020, pp. 480-481.
[3] Cf. Ad Diem illum, n. 12.
[4] Cf. A.M. Artola Arbiza, Dolorosa. Meditaciones sobre la Compasión de María, 257-260.

quarta-feira, 4 de março de 2020

A perfeita discípula do Senhor

Alexandre de Hollanda Cavalcanti


O Evangelho de São Lucas informa por duas vezes a profundidade da alma meditativa de Nossa Senhora: “Maria conservava a palavra de Deus, meditando-a em seu coração” (Lc 2,19.51).
A Santíssima Virgem Maria é o modelo perfeito e acabado da Igreja e de toda a humanidade, a primeira e mais perfeita discípula de Cristo[1]. O núcleo central desta exemplaridade de Maria é sua comunhão com nosso Redentor e sua total união com a sua missão salvadora. Por isso devemos compreender que ser Mãe de Deus é o maior privilégio da Virgem Maria, mas este privilégio só alcança sua plenitude por sua total união de intenções e coração na obra salvadora de seu Filho, de modo que, pelo parto virginal, Ela deu à luz ao Salvador e pelo “parto mais doloroso da história”, Maria deu à luz a seus filhos espirituais. Esta expressão “parto doloroso de Maria” é criada por São Ruperto de Deutz, que vê nesta união do sacrifício de Maria com o holocausto de Jesus Cristo, o nascimento dos seus filhos espirituais, o que foi confirmado pelo Senhor do alto da Cruz: “Eis aí a tua mãe” (Jo 19,27).
Sua eleição para ser mãe de nosso Salvador foi uma ação divina, mas a aceitação desta missão, com total fidelidade, foi uma opção pessoal e meritória de Maria. Isabel a proclama bem-aventurada por crer, afirmando que é em função desta fé que se realizaria tudo o que lhe foi dito da parte do Senhor (Lc 1,45). É por isso que Santo Agostinho faz uma afirmação ousada: “Maria foi a que melhor cumpriu a vontade do Pai, mostrando assim o modo mais excelente de ser Mãe de Deus, posto que é maior merecimento dela ser discípula de Cristo que Mãe dEle”[2]. 
Nossa Senhora tinha uma fé tão profunda que a levou a cooperar e crer no incrível: da morte de seu Filho viria a vitória definitiva.
Cada vez que assistirmos à Missa nesta Quaresma, recordemos a importância de compreender que a Santíssima Virgem está junto a cada altar, do mesmo modo que esteve no Calvário. Sua união com Jesus na nossa salvação faz com que Maria seja modelo também para os sacerdotes, que oferecem a Cristo em nome da Igreja, como Ela o ofereceu por primeira vez no altar da Cruz.
No formulário da Missa proposta pela Igreja para a comemoração de Maria junto á Cruz do Senhor, encontramos uma afirmação forte de São Paulo: “Deus não perdoou a seu próprio Filho”, entregando-o para morrer por nossa salvação e ressuscitar para interceder pelos homens junto ao Pai (cf. Rm 8,31b-39). Em função disso, São Paulo afirma a fortaleza e intrepidez que deve ter um cristão por confiar no seu único Redentor. Esta foi a confiança da “primeira discípula”, da cristã por excelência! Nunca se ouviu dizer nos Evangelhos, nem nos livros apócrifos, nem sequer saiu dos lábios dos inimigos da Igreja, que em algum momento Maria teve medo. Que a poderia separar de seu Filho? Aflição, angústia, perseguição? Para Ella nem morte nem vida... nenhuma força vinda da terra ou dos infernos poderia separá-la do amor a Jesus.
O Evangelho de São Lucas (2,41-51) recorda o que foi para Maria a primeira experiência do Calvário. Um momento chave de sua participação na vida de Jesus: a perda do Santo Menino, quando Ele tinha doze anos de idade. Não podemos imaginar que Jesus se perdeu no mundo criado por Ele! Sua ausência não poderia ser considerada como um ato de inconsciência infantil, mas como uma ação deliberada e consciente. O Menino se retirou propositadamente para cumprir uma missão reveladora, preparando sua Santíssima Mãe para seu sacrifício futuro. Para Maria foi uma grande prova: Ela não perdia só seu filho, Ela perdia o seu Deus!
Em sua humildade, Ela poderia conjecturar algumas hipóteses: o abandono por alguma infidelidade de sua parte, ou o desenlace antecipado dos vaticínios de Simeão, cuja espada já começava a dilacerar seu coração. A própria Bíblia atesta que Maria não entendia o que estava passando neste momento. Diz São Lucas: “Seus pais não compreenderam o que Ele lhes disse” (Lc 2,50).
Este evento encontra uma grande similitude com o drama do Calvário: Maria se encontra transida de dor durante três dias, devido à desaparição de seu Filho, que estava “na casa do Pai”. A perspectiva do sacrifício anunciado pelo profeta Simeão, que havia previsto que uma “espada de dor” transpassaria o coração de Maria (Lc 2,35), se faz presente neste episódio em que o sofrimento não está no Filho, mas no coração da Mãe. Ao mesmo tempo prefigura o desenlace do sacrifício do Calvário na glória e na alegria, pois a Santíssima Virgem encontra o Menino Jesus em postura gloriosa que pré-anuncia a Ressurreição e fica maravilhada. Depois, Ela expressa seu sofrimento: “Meu filho, por que nos fizestes isto? Teu pai e Eu te buscávamos angustiados” (Lc 2,48).
A resposta de Jesus indica que Maria e José conheciam sua origem celestial e sua missão evangelizadora. Nesse momento Jesus faz a primeira afirmação pública de sua filiação divina: “Não sabiam que Eu devo ocupar-me dos assuntos de meu Pai”? (Lc 2,49).
O Evangelista deixa claro que eles não entenderam, mas que Maria meditou profundamente todos estes fatos no seu coração, tomando a presença de Jesus na casa de seu Pai como o princípio fundamental que iluminará toda a sua vida[3].
Nesta meditação de hoje, guardamos dois ensinamentos importantes para nossa vida, especialmente nesta caminhada quaresmal junto com Maria:
Primeiro: Devemos conservar no nosso coração todas as graças, indicações, mensagens e até mesmo repreensões que recebemos de Deus, através de sinais, de inspirações interiores, ou até de ações e palavras de outras pessoas. “Deus escreve certo por linhas tortas”, diz o ditado... Mas nós podemos verificar que Deus escreve certo por linhas certas. Cabe a nós meditar em nossos corações para entender o modo certo de ver estas linhas, como Maria o entendeu ao encontrar a Jesus “na casa do Pai”. Depois necessitamos guardar o que escutamos de Deus no mais profundo de nosso coração, pois uma palavra de Deus, uma graça, nunca devem ser esquecidas.
A segunda lição que podemos tirar é da fé: Maria acreditou no impossível. Acreditou que morrendo na Cruz seu Filho vencia ao mundo. Por esta fé é que se realizou nela tudo o que lhe foi prometido. Quando nos encontremos diante do impossível, recordemos as palavras do Anjo Gabriel: “Para Deus nada é impossível” (Lc 1,37).
Os dias atuais repetem o caminho do Calvário; caminho de dor e de morte, de dúvidas e perplexidades, mas ao mesmo tempo de salvação para aqueles que, seguindo os passos de Maria, se juntam a Ela aos pés da Cruz. Sua fé foi submetida uma tríplice prova: a prova do invisível, do incompreensível e das aparências contrárias, mas Ela as superou do modo mais heroico. Efetivamente, Maria viu seu Filho gemendo no estábulo de Belém e acreditou que era o Criador do mundo. Viu-o fugir de Herodes e não deixou de crer que era o Rei dos Rei. Viu-o nascer no tempo e acreditou que era eterno. Viu-o pequeno, pobre, necessitando de alimento, chorando sobre o feno e o creu onipotente. Observou que não falava e o acreditou o Verbo do Pai, a própria Sabedoria encarnada. Viu-o finalmente, maltratado e crucificado, morrer sobre o mais ignominioso patíbulo e creu sempre em sua Divindade. Por mais que outros, até os próprios apóstolos, vacilassem na fé, Ela permaneceu sempre firme, não vacilou jamais[4].
Com o exemplo e a ajuda de Maria, nada temos a temer!


[1] Exortação Apostólica Marialis cultus, n. 35.
[2] Santo Agostinho, Obras completas de san Agustín, X. Sermones (2°) 51-116. Sobre los Evangelios Sinópticos, «Sermón 72 A, 7», 364-365.
[3] Cf. R. Laurentin, Jésus au Temple, 93.
[4] cf. Roschini, Gabriel Maria. Instruções Marianas. São Paulo: Paulinas, 1960, p.162.




quinta-feira, 27 de fevereiro de 2020

Maria aceita sofrer com seu Filho


Alexandre de Hollanda Cavalcanti
Os dias da Quaresma nos preparam para o momento supremo da Paixão e Morte de Nosso Senhor, que se entregou para salvar-nos.
Este período tão importante para nossa vida espiritual exige que encontremos um modelo de perfeita união com Jesus Cristo para alcançar a preparação necessária para as graças que Deus enviará no memorial do sacrifício redentor e de sua Páscoa vitoriosa.
A primeira pessoa que conheceu este mistério foi Maria. Por isso, seu exemplo é o melhor modelo de preparação para a Semana Santa que se aproxima.
A Santíssima Virgem conheceu, desde o início de sua vocação, o aspecto doloroso da salvação que seria conquistada por Nosso Senhor Jesus Cristo e aceitou, de modo total, voluntário e irrevogável, unir-se ao desejo divino, aceitando, de antemão todas as consequências da maternidade divina. Por isso Ela respondeu ao anjo: “Eis aqui a escrava do Senhor”. Escrava! Ela não colocou limites na sua entrega, mas aceitou tudo o que fosse da vontade de Deus, inclusive a dor e o sofrimento. A Vítima que começaria a formar-se no seu seio virginal, contou com sua aceitação, em nome de toda a humanidade, para no futuro oferecer-se em holocausto redentor no desenlace trágico do Calvário.
A Igreja nos ensina que durante os dias da Quaresma devemos escutar com mais frequência a Palavra de Deus, dedicar-nos mais à oração, e fazer também penitência. Este é um tema pouco lembrado em nossos dias, mas devemos recordar que quando Nossa Senhora apareceu aos três pastorzinhos em Fátima, insistiu em que devemos fazer penitência por nossos pecados e em reparação pelos pecados da humanidade. A penitência educa nossa vontade e é um ato concreto de nosso amor a Deus, pois não existe amor sem sacrifício e não existe sacrifício sem amor.
Outro ponto importante é recordar nosso Batismo e o vínculo que a partir deste Sacramento temos como nosso Salvador. Nesta preparação quaresmal, a liturgia nos propõe o exemplo da Santíssima Virgem Maria, sempre fiel à vontade divina, que seguiu os passos de seu Filho Santíssimo até o Calvário, para morrer com Ele (cf. 2Tm 2,11). Quando, ao final dos quarenta dias, chegarmos à gloriosa Páscoa redentora, contemplaremos nossa Mãe celestial como uma “mulher nova”, quer dizer, como o início de uma nova criação, em que tudo nasce de Cristo e, portanto, esta “humanidade nova” estará também totalmente unida à “Escrava do Senhor”.
No Evangelho de São Mateus encontramos o relato do que deve ter sido a primeira participação dolorosa de Maria na missão salvadora de Jesus. Isto se deu antes mesmo de que Ela tivesse conhecimento de sua vocação à Maternidade Divina e a inspirou a consagrar sua vida ao serviço do Messias esperado por todo o povo de Israel. Por este motivo, pode-se dizer que a jovem Donzela de Nazaré foi a primeira “escrava de Maria”. A expressão causa uma certa surpresa, mas São Luís Maria Grignion de Montfort explica que a Santíssima Virgem quis dedicar toda sua vida a servir àquela que seria a mãe do Salvador. A jovem Maria nem podia imaginar que era Ela mesma a eleita de Deus para esta alta missão!
Conhecendo as Sagradas Escrituras com uma inteligência superior à dos maiores gênios da humanidade e iluminada pelo Espírito Santo com luzes muito maiores que as de Isaías o qualquer outro profeta, a delicada Virgem de Nazaré esperava a vinda do Messias para seus dias e por isso decidiu consagrar sua vida completamente a seu serviço. O Evangelho de São Lucas deixa isto claro ao relatar a pergunta: “Como se fará isto, pois não conheço homem?” (Lc, 1,34) antecedida da afirmação de que Nossa Senhora já estava desposada com São José, da casa de David. Desde São Gregório de Nissa, Santo Agostinho, até os mariólogos atuais, se encontra neste texto a revelação de que Maria tinha feito um voto ou propósito de virgindade a partir do momento em que ela foi capaz de compreender o sentido desta consagração.
Esta consagração, feita em idade tão remota, talvez no período em que ela estava no Templo, dá inicio à sua união com o sacrifício de Jesus. Efetivamente, a decisão de manter-se virgem, numa sociedade que não compreendia a virgindade consagrada, sobretudo para as mulheres, traria consequências muito difíceis para uma menina de tão tenra idade. Como expressar esta decisão, em termos compreensíveis, aos adultos que não haviam recebido esta graça do Espírito Santo?
Com certeza esta decisão encontraria rechaço até em sua própria família e de toda a sociedade israelita. Seria necessário renunciar à possibilidade de ser uma ascendente do Messias, com o perigo, inclusive, de desviar os desígnios divinos abdicando à maternidade, se dela pudesse, num futuro próximo ou distante, nascer o prometido Salvador.
O drama da virgindade de Maria se transformava quase em agonia na previsão de uma vida compartida num inevitável matrimônio futuro. Onde encontrar um esposo com os mesmos sentimentos? Na sociedade da época nem sequer era permitido que Ela o procurasse. O ideal de virgindade para a jovem Donzela era um verdadeiro “beco sem saída”! [1]
Deus daria solução a este problema no momento oportuno, mas a santa Donzela não podia, antes da Anunciação, nem sequer imaginar os grandiosos planos que o Senhor tinha para Ela.
Quanto deve ter custado esta decisão? Com certeza, muita dor de alma, muita angústia, muito sofrimento... mas este sacrifício não foi estéril! A mulher que decidiu consagrar-se a Deus na total virgindade, renunciando voluntariamente à maternidade e, portanto, à hipotética possibilidade de ser mãe ou sequer ascendente do Messias, foi a eleita para unir-se a Deus no grande plano de salvação da humanidade.
Este modelo de amor, de dedicação, de aceitação do sofrimento unido ao sangue redentor de Cristo nos dá a clave para viver bem esta Quaresma, seguindo os passos de Jesus através do caminhar de Maria.
 
Esta via dolorosa, de dúvida vocacional, que não sabemos quanto durou, preparou o Coração Imaculado da santa Menina, para receber a visita do mensageiro de Deus. Por isso Ela não se assustou quando viu o anjo São Gabriel, mas sentiu um verdadeiro temor quando conheceu a grandeza de sua vocação. O mensageiro divino a tranquilizou: “Não temas Maria! [...] O Espírito Santo descerá sobre ti, e a força do Altíssimo te envolverá com a sua sombra. Por isso, o ente santo que nascer de ti será chamado Filho de Deus” (Lc 1,30.35).

Maria cogitou profundamente em seu coração, perguntou ao anjo como se daria este mistério e entendeu toda a missão à que estava sendo convidada. Por isso sua resposta não continha nenhuma hesitação: “Faça-se em mim segundo a tua palavra” (Lc 1,38). E o Verbo de Deus se fez carne, e habitou entre nós! (Jo 1,14)
Caminhemos estes dias com Maria e preparemo-nos para o momento em que, contemplando a Paixão, o sofrimento, a agonia e a morte do Senhor, possamos unir-nos totalmente a este sacrifício redentor e dizer com Maria: “Senhor, faça-se em mim o que for necessário para salvar este mundo que cada dia abandona mais a seu Deus e Senhor”.


[1] Cf. A.M. Artola Arbiza, Dolorosa. Meditaciones sobre la Compasión de María, 47-50.

sexta-feira, 18 de janeiro de 2019

Intercessão de Maria em nossas famlías

https://www.dropbox.com/s/f9wqbkl747wbol6/Intercessao%20de%20Maria%20em%20Nossas%20Familias.pdf?dl=0
       
        Nas Bodas de Caná Jesus Cristo fez seu primeiro milagre público no ambiente de um matrimônio, exaltando o grande valor da instituição familiar.
       Neste texto você poderá conhecer o valor deste Sacramento e o poder da interecessão de Maria para que ele alcance sua plenitude.


sábado, 6 de outubro de 2018

Beata Imelda, padroeira dos que fazem a Primeira Comunhão

Fonte: publicado no blog do Apostolado do Oratório, com pequenas adaptações, baseado em artigo da Revista Arautos do Evangelho, Maio/2006, n. 53, p. 24-25.



Consagrada a Nossa Senhora no próprio dia do nascimento


Essa angelical menina nasceu no ano de 1322 em Bolonha (Itália). Seu pai, Egano Lambertini, pertencia à alta nobreza e desempenhou cargos importantes como o de governador de Bréscia e o de embaixador na República de Veneza. A par de grande habilidade, prudência e valor militar, distinguiu-se também por sua profunda Fé e amor aos pobres. Sua mãe, Castora, da nobre família Galuzzi, rogava com ardorosa Fé a Nossa Senhora a graça de ter ao menos um filho. Após rezar inúmeras vezes o Rosário nessa intenção, obteve por fim o favor pelo qual tanto ansiava: o nascimento de uma menina!
 


Bolonha – norte da Itália


Assim que os olhos de sua filha abriram-se para este mundo, Castora tomou-a nos braços e ofereceu-a à Santíssima Virgem: “Ó Senhora, uma filha mais bela Vós não podíeis ter-me dado! Eu Vo-la ofereço, tomai-a por inteiro”. A Virgem Maria aceitou com agrado esse oferecimento. A pequena Imelda cresceu em idade e virtude sob os cuidados de sua piedosa mãe que lhe dispensou uma esmerada formação religiosa.

As recreações próprias à infância não a atraíam. Do que ela gostava mesmo era conversar sobre Deus e as coisas sobrenaturais. Passava longas horas ajoelhada diante de um pequeno altar que ela mesma adornava e floria. A voz de Deus não tardou a inspirar- lhe no fundo da alma o desejo de abandonar o mundo e consagrar-se totalmente ao seu serviço.



Monja exemplar, com apenas dez anos!



Naquela época era comum a admissão de crianças em conventos, seja por vontade própria, seja por iniciativa da família. Assim, aos oito anos de idade, Imelda Lambertini foi admitida como oblata no mosteiro dominicano de Santa Maria Madalena di Val di Pietra, onde se preparava para ingressar no noviciado.

Dois anos depois, numa singela cerimônia, teve a felicidade de receber o Hábito de São Domingos. Bem sabia a santa menina que esse inapreciável dom lhe pedia, em contrapartida, um redobramento de fervor. Tomando aquele ato com profunda seriedade, Imelda tornou-se modelo para todas as irmãs. Só pelo fato de vê-la passar com alegria, modéstia e humildade, as religiosas sentiam-se confirmadas em sua vocação.

O que ela mais amava era Jesus Sacramentado. Sua alma inocente exultava de gozo ao considerar que no sacrário estava presente aquele mesmo Jesus nascido da Virgem Maria, que em Belém fora colocado numa manjedoura, e por amor a nós fora crucificado e morto, mas triunfante ressuscitara ao terceiro dia!

 A monja-menina passava horas junto ao Sacrário. Apenas surgia uma oportunidade, lá estava ela imóvel, com os olhos fixos no Tabernáculo, a fisionomia iluminada por uma intensa claridade. As religiosas se admiravam do fervor e piedade de sua infantil companheira e, maravilhadas, concluíram que sobre aquela alma pairava um especial desígnio da Providência.



Quando poderei comungar?



Sempre que a comunidade reunia-se na capela para a Missa conventual, Imelda contemplava, extasiada, todas aquelas que se aproximavam da Mesa Eucarística para a Comunhão. Surgia-lhe interiormente esta interrogação: “Como se pode continuar vivendo nesta terra após ter recebido o próprio Deus? Meu Jesus, quando poderei também eu ter a alegria de Vos receber?”

Naquele tempo, não era permitido às crianças comungar, mas nem por isso era menos ardoroso seu desejo de receber a Eucaristia. Encontrando- se com o confessor ou com a Madre Superiora, repetia sempre a mesma pergunta:

– Quando poderei comungar?

Mostrava-se obediente e resignada ante a resposta invariável de que era preciso “esperar ainda um ano”, mas suspirava cada vez mais pelo raiar do dia que seria para ela, sem qualquer dúvida, o dia mais feliz de sua vida, o da Primeira Comunhão.



Morreu de felicidade



Na madrugada de 12 de maio de 1333, véspera da festa da Ascensão do Senhor, os sinos tocaram alegremente, chamando as religiosas para o cântico do Ofício Divino. Acabada a salmódia, o Sacerdote iniciou a celebração da Santa Missa. Na hora da Comunhão, de joelhos no fundo da igreja, Imelda acompanhava com ardorosos desejos a movimentação das monjas que recebiam a sagrada Hóstia e retornavam recolhidas a seus lugares. De seu coração brotou a mais ardente súplica:

– Meu Jesus, dizem-me que, pelo fato de ser criança, não posso ainda comungar… Mas Vós mesmo dissestes: “Deixai vir a Mim os pequeninos”. Eis que Vos peço, Senhor: vinde a mim!

Jesus, em seu terno amor aos inocentes e humildes de coração, não resistiu a esse apelo: uma Hóstia destacou-Se do cibório, elevou-se no ar e, traçando um rastro luminoso por onde passava, foi pousar sobre a cabeça de Imelda! O ministro de Deus, vendo nesse prodigioso fato uma clara manifestação da vontade divina, tomou a Hóstia e deu-lhe a Comunhão.

Ela fechou os olhos, inclinou suavemente a cabeça e permaneceu absorta num profundo recolhimento. Terminou a Missa, passou-se longo tempo, mas a pequena religiosa não fazia o menor movimento, e ninguém se atrevia a perturbar aquela paz beatífica, aquele êxtase em que ela se encontrava, convertida num tabernáculo vivo de Deus. Por fim, a Madre Superiora tomou a decisão de chamá-la, e qual não foi a surpresa de todos ao verificar que a menina não respondia… Imelda estava morta, seu coração não resistira a tanta felicidade!

Em 1826 o Papa Leão XII confirmou e estendeu para toda a Igreja o culto que havia séculos se prestava a ela em Bolonha. E São Pio X a proclamou, em 1908, padroeira das crianças que vão fazer a Primeira Comunhão. Seu corpo virginal permanece incorrupto e pode ser venerado na capela de São Sigismundo, em Bolonha. Sua memória litúrgica é celebrada no dia 12 de maio.




Corpo Incorrupto da Beata Imelda


Ó Beata Imelda, morrestes no Senhor! Concedei a nós, peregrinos nesta terra, que vosso luminoso exemplo de amor faça nascer em nossos corações uma fome eucarística inextinguível e que, saciados com o Pão dos Anjos, possamos um dia cantar eternamente convosco a glória de Jesus que morreu por nós na Cruz e Se fez nosso alimento espiritual até a consumação dos séculos.

Beati mortui qui in Domino moriuntur (Bem-aventurados os que morrem no Senhor).