Primeira guerra mundial / escreve
Carlos J. Murray, S.J.)
Frank Murray jamais esquecerá aquele dia...
A metralhadora matraqueava cada vez com mais
intensidade, enquanto ao redor terríveis explosões abriam crateras.
Murray e seu companheiro, Tom Conner, estavam
inquietos esperando a hora de avançar. Era preciso conquistar a elevação de
Ourq e desalojar o inimigo de suas posições. Eram terríveis minutos os que os
dois estavam vivendo.
O rosto de Frank tomou uma cor amarelenta, enquanto
seus dentes começaram a bater. Conner, porém, tinha o rosto sereno e mesmo um
leve sorriso. Frank perguntou:
Como você pode estar tranqüilo?
Conner responde: Frank... sou católico e sei que
estou nesta vida para salvar minha alma. Vivo preparado para morrer, quando
Deus quiser. Quero ir para a Pátria celeste!
Os dois ficaram algum tempo em silencio. Então,
Conner, aproximando-se do amigo lhe disse: toma isto e lembra-te de mim, se
conseguires escapar com vida.
Frank jamais esquecerá deste momento. Era um
crucifixo de prata, que pendia de uma corrente do mesmo metal.
Quando o pus sobre o peito – conta Frank – foi dada
ordem de estar alerta. Meu regimento deixaria o de Tom Conner, que ocuparia o
outro lado do rio. Despedi-me do amigo, talvez para sempre.
Passaram vários dias que me pareceram séculos.
Certa vez, quando atravessava um campo minado, vi estendido ao meu lado, vítima
da metralha, um jovem soldado alemão. De seus lábios pude ouvir estas palavras:
HEILIGE MARIA MUTTER GOTTES.... Era a Ave Maria, a oração que rezava tantas vezes
meu amigo Tom Conner. Este inimigo ferido era também católico.
Instintivamente,
arranquei o crucifixo de prata, presente do amigo Tom e aproximei-o dos lábios
do soldado. Parece que eu o vejo diante de mim. De seus olhos e de seu rosto
desprendeu-se um sorriso de paz, de agradecimento, de amor. Então, não
compreendi, mas depois me recordei: era o sorriso de Tom. Coloquei o crucifixo
nas mãos do inimigo ferido e saí.
Passaram varias semanas. Entretanto, a guerra
chagava a seu termo. Pude, enfim, voltar para minha pátria. Uma coisa me
pesava, o ter dado a outrem o crucifixo de Tom. Parecia ter sido generoso
demais... pois era a recordação dum amigo tão caro. Mas consolava-me com o
pensamento de que Deus não esquece um copo de água dado em seu Nome.
Em minhas viagens a recordação de Tom me
aguilhoava, de modo que me detinha nas estações para examinar as fisionomias
dos passageiros. Tinha certo pressentimento de que ainda o havia de encontrar.
No último verão viajei pela Itália, admirando sua
beleza. Embarquei de volta no navio Duílio. Fizemos escala em Cherbourg, para
receber carga. Estava contemplando as manobras de embarque, quando ouço uma voz
conhecida. Quem seria? O meu amigo Tom Conner! Já tinham passado oito anos
depois de nosso último encontro em Ourq.
Conversamos por um largo tempo. Ele devia voltar a
Paris, depois de liquidar uns negócios em Nova York. Falou-me de suas
aventuras, confessando que estava doente do coração. Os médicos não lhe davam
muito tempo de vida. Pediu-me o crucifixo que me dera, pois era lembrança de
sua mãe. Tive de lhe explicar o sucedido, com o que facilmente se conformou.
Disse do seu contentamento por viajar comigo.
Depois de nos despedirmos, passaram-se varias
horas. Estava eu descansando tranquilamente em meu camarote, quando batem com
força à porta.
O senhor Conner o chama com urgência. Quando
cheguei, o médico que o assistia, chamando-me à parte, disse: é um ataque do
coração. Fale-lhe com cuidado. Provavelmente durará uma hora só.
Aproximei-me e Tom disse: Como Deus é bom! Estava
só e Ele te chamou para me assistir. Queres verificar se há algum sacerdote a
bordo?.... Regressei desanimado da busca que fiz: a lista de bordo não
registrava nenhum sacerdote. Depois de rezar o ato de contrição, disse: olha,
Frank... uma coisa não entendo, fiz as nove primeiras sextas-feiras e, segundo
a promessa do Coração de Jesus, não devo morrer sem os sacramentos...
Expliquei-lhe, conforme já estava informado, de como se deve compreender esta
promessa. O Coração de Jesus promete, aos que comungarem nove vezes seguidas,
durante as primeiras sextas-feiras de cada mês, a graça da perseverança final.
Tom conformou-se. Oferecia o sacrifício de morrer sem o consolo do sacerdote...
e pusemo-nos tranquilamente a rezar.
De repente, abre-se a porta e entra um dos oficiais
de bordo. Tom! Você sabe que viaja a bordo um sacerdote que vai a Southampton?
Tom sorriu. Pouco depois entrava um padre
beneditino. Confessou a Tom e deu-lhe os últimos sacramentos. Tom estava
tranqüilo. Mas... qual não foi sua surpresa ao ver o crucifixo no peito do
beneditino! Era o mesmo que me havia dado em Ourq, a lembrança de sua mãe!
– Meu crucifixo!
O padre pensou que delirava.
– Foi um soldado americano que mo deu – disse ele –
quando fui ferido na batalha de Ourq. Prometi a Deus que, se saísse com vida,
me faria beneditino. Assim o fiz anos depois, entrando num mosteiro da
Alemanha. Se estou aqui, devo-o à caridade de um soldado inimigo.
Eu o olhei demoradamente.
– Sim, é verdade! E eu sou esse soldado americano!
O crucifixo é realmente de Tom.
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