terça-feira, 20 de setembro de 2011

A Voz do Silêncio


Por Mons. João S. Clá Dias

Quão misterioso e fundamental é o silêncio! Deus mais nos visita no recolhimento do que nas atividades externas. Em geral, nossa vida sobrenatural dá passos mais firmes e decididos no silêncio do que em meio às ações. Os Sacramentos também produzem a graça em nossas almas sob o manto do silêncio. Este nos ensina a falar, como afirmava Sêneca: “Quem não sabe calar, não sabe falar”.
Importantes, também, são a serenidade e a calma no relacionamento humano ou na contemplação. Jesus, no Evangelho, nunca dá a impressão de estar asfixiado pela pressa. Às vezes até “perde tempo”: todos O procuram e Ele não Se deixa encontrar, tão absorto está na oração. No trecho evangélico de hoje, convida seus discípulos a “perderem tempo” com Ele: “Vinde à parte, a um lugar solitário, e descansai um pouco”. Recomenda freqüentemente não se agitar. Quantos benefícios recebe nossa saúde da “lentidão”!
A esse respeito, observa com acerto o Pregador da Casa Pontifícia, Frei Raniero Cantalamessa: “Se a lentidão tem conotações evangélicas, é importante dar valor às ocasiões de descanso ou de demora que estão distribuídas ao longo da sucessão dos dias. O domingo, as festas, se são bem utilizadas, dão a possibilidade de cortar o ritmo de vida demasiado excitante e de estabelecer uma relação mais harmônica com as coisas, as pessoas e, sobretudo, consigo próprio e com Deus” (8).
Os Apóstolos deviam estar exaustos depois de tantas atividades e por isso — comenta o Pe. Manuel de Tuya OP —, terminadas as narrações das viagens, “Cristo quer proporcionar-lhes uns dias de descanso, levando-os a um ‘lugar solitário’, que estava ‘perto de Betsaida’ (Lc 9, 10). A causa era que nem mesmo depois de seu trabalho missionário, particularmente intenso, deixavam-nos sozinhos: as pessoas afluíam para Cristo. Marcos descreve esse assédio das turbas com sua linguagem realista: ‘Porque eram muitos os que iam e vinham, e nem tinham tempo para comer’. Talvez essas multidões que vêm, nessa ocasião, possam ser um indício do fruto dessa ‘missão’ apostólica” (9).

Fugir da agitação para se encontrar com Deus
Conta-nos São Jerônimo que Davi, em sua infância, fugia da agitação da cidade e buscava a solidão dos desertos. Ali vencia os ursos e os leões. E as Escrituras nos contam que Judite tinha, na parte mais elevada de sua casa, um quarto recolhido onde permanecia enclausurada com suas fiéis servas (Jt 8, 5). Os homens contemplativos, sempre que possível, abandonam o bulício do mundo e abraçam o isolamento para viver de Deus, com Ele e para Ele (10). Também para Jesus e os Apóstolos tornava-se impossível o repouso em Cafarnaum, onde eram muito conhecidos.
À agitação ordinária, decorrente da pregação e das curas — escreve o Cardeal Goma y Tomás — , acrescentava-se a proximidade da Páscoa, que transformava a cidade marítima em centro de confluência das caravanas que subiam para Jerusalém: ‘Porque eram muitos os que iam e vinham, e nem tinham tempo para comer’. Por isso se dirigiram à praia e, entrando numa barca, ‘retiraram-se à parte, a um lugar solitário’ do território de Betsaida. Havia duas cidades com este nome: uma na parte ocidental do lago, pátria de Pedro e André, e a outra na parte oriental, em direção ao norte, junto à foz do Jordão. Recebera o nome de Betsaida Júlias, porque o tetrarca Filipe, que a tinha embelezado, quis que se chamasse Júlias, em homenagem à filha de César Augusto. 


A barquinha que conduzia Jesus e os Apóstolos aportou no outro lado do mar da Galiléia, ou seja, de Tiberíades, junto à planície solitária que se abre ao sul de Betsaida. João escreve para os fiéis da Ásia, que desconheciam a topografia da Palestina, indicando-lhes a localização do mar pelo nome da cidade que lhe dá origem ao nome” (11).


A caridade pode ser definida como a própria vida de Deus em nós. Ora, Deus é ao mesmo tempo contemplação e ação. Por outro lado, a virtude é eminentemente difusiva. Por isso afirma São Tiago ser morta a fé quando não frutifica em obras (Tg 2,17). De onde decorre ser a vida mista, segundo São Tomás de Aquino, a mais perfeita, por conjugar ação e contemplação.

Jesus nos ensina quanto devemos ser perfeitos no convívio com Deus, quer no isolamento, quer no relacionamento com os outros.

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