quinta-feira, 15 de dezembro de 2011

Como Deus escreve?


 Por Alexandre de Hollanda Cavalcanti
Os olhos curiosos voltam-se rapidamente diante do vulto que passa ao lado do carro. O velho e experiente taxista não se altera diante da surpresa da passageira...
- Pois é, minha senhora, aqui não é surpresa vermos cenas assim...
- Mas... ele é tão jovem – objetou a distinta senhora que ocupava o banco traseiro do carro.
- Desde cedo já descobriu em que mundo caiu. Seus pais morreram e o coitado sustenta seus irmãos com esses doces que vende no semáforo.
- Meu Deus... e que idade ele tem?
- Nem ele sabe, mas creio que uns nove ou dez anos.
A substituição do vermelho pelo verde no semáforo ocorre em inteira sintonia com os movimentos do motorista, que retoma seu caminho sem prestar atenção no que viu.
Neste momento, um ruído agudo de pneus, num atrito frenético com o asfalto, assusta a senhora. Premido pelo fluxo dos automóveis, o taxista segue o caminho, reduzindo um pouco a marcha.
Voltando-se inteiramente para trás, a distinta passageira dá um grito e perde momentaneamente os sentidos. Olhando para o banco traseiro, o taxista reduz a marcha e procura um lugar onde parar o carro, a fim de atender à assustada senhora.
- O que houve?
- Coitado, coitadinho dele, foi atropelado! Veja! A ambulância já o está socorrendo!
O soar triste de uma sirene corta os ares, como um gemido de dor que fende os corações.
Dentro da ambulância, tudo é apreensão e alvoroço. Um forte enfermeiro segura com firmeza os ombros do menino, enquanto as mãos delicadas da médica tentam imobilizar o fêmur exposto através dos músculos rasgados da criança que grita em desespero. O sangue escorre pelas mãos enluvadas da doutora, caindo abundantemente sobre o chão escuro da ambulância.
A médica não consegue conter as lágrimas diante do sofrimento do menino e segura a perna fraturada, enquanto um auxiliar coloca a tala inflável que imobiliza o membro.
Rápida como pensamento torpe em alma honesta, a médica sutura alguns vasos sanguíneos, diminuindo o risco de um óbito por hemorragia. Tirando as luvas, toma no colo a cabeça transpirada da criança que grita desesperadamente de dor. As lágrimas dele são tantas que encharcam as mãos da médica. Ela o trata com o carinho de uma mão para com seu próprio filho.
Driblando agilmente o conturbado trânsito da capital, ao som estridente da sirene e com os faróis altos acesos, a ambulância entra no pronto-socorro, fazendo uma manobra brusca que chama a atenção de todos.
Avisados por rádio, os para-médicos já têm uma maca pronta, enquanto os médicos de plantão preparam-se para uma intervenção de emergência.
Duas horas de intenso trabalho numa delicada cirurgia, e o menino é conduzido para a enfermaria de pós-operatórios. Pouco a pouco o efeito da anestesia vai passando e um lusco-fusco de consciência vai se acendendo na mente da sofrida criança.
Mal recobrando os sentidos, um grito de dor ecoa pelos corredores do hospital:
- Por que comigo? Que desgraça! Tanta gente correndo, tanta gente brincando e eu aqui, preso na cama, engessado!
- Até há pouco outros diziam isso aqui no hospital, enquanto você corria na rua – comentou um ancião que estava no leito ao lado.
- Mas... agora sou eu que estou aqui! Deus não me protegeu? Ele esqueceu-se de mim!
- Não diga isso, Deus é pai e nunca esquece de seus filhos!
- Ah... Deus! Até parece que Ele escreve sempre errado...
- Este livro tem uma história de um menino que sofreu como você, quer conhecê-la?
- Ja que estou aqui...
- Há muitos e muitos anos atrás, vivia um menino que nasceu paralítico. Sentado à beira da estrada, via as crianças brincando, os adultos trabalhando, divertindo-se e, muitas vezes, reclamando das dificuldades que a vida apresentava. O menino pensava sozinho: “Essa gente toda é feliz por andar e fazer o que quer e ainda reclama? Não agradecem a Deus o dom da saúde? Quem me dera poder andar como eles! Eu nunca mais reclamaria , seria muito feliz!”
Os anos passaram-se e o menino cresceu. Havia na cidade dele uma piscina abençoada por Deus. De tempos em tempos, um anjo do Senhor descia ao tanque e a água se punha em movimento. O primeiro que entrasse no tanque ficava curado de qualquer doença que tivesse.
Assim ele viveu à beira da piscina por trinta e oito anos. Um dia, uma nova luz iluminou aquele ambiente. Era Jesus, nosso Salvador, que ali entrava com seus discípulos. Os olhos do homem brilharam com um fulgor especial. Nunca vira alguém tão belo, tão santo e acolhedor.
Pensou: “Este santo homem vai prestar atenção nos outros e nem me olhará”. Porém, Jesus dirigiu-se para ele e, com um olhar de bondade, perguntou: “Bom homem, queres ficar curado?” O enfermo respondeu: “Senhor, não tenho ninguém que me ponha no tanque, quando a água é agitada: enquanto vou, já outro desceu antes de mim.”E, cobrindo-se com sua velha manta, mergulhou novamente em sua triste melancolia.
Jesus sentiu em seu coração a dor do paralítico e desse com bondade: “Levanta-te, toma teu leito e anda”. Aquele homem sentiu em si uma força toda especial e levantou-se, tomado de uma alegria interior que nunca mais o abandonou.
Ele percebeu que muitos dos que antes foram curados de corpo tinham porém problemas graves de alma, que nunca os abandonariam. Levavam consigo uma dúvida e uma incerteza que os atormentava. Ele porém, tinha agora a certeza de que Deus o amava. Jesus, o Filho de Deus, veio pessoalmente curá-lo! Esta certeza foi para ele um prêmio muito maior do que a cura do corpo. Então ele entendeu que Deus não havia escrito errado a sua vida, mas ele apenas não conhecia o final da frase!
- Mas comigo está escrito errado, desde o começo! - retrucou o menino.
- Deus começou a escrever a frase agora, quem sabe como será o seu fim?
- Ele não começou agora! Não conheci meu pai, minha mãe foi assassinada, tenho dois irmãos para cuidar e nunca pude estudar, pois tenho que conseguir dinheiro vendendo doces no sinaleiro. Agora nem isso eu posso mais fazer, pois vou ficar aleijado!
O pobre garoto desatou num choro incontrolado.
- Por favor, você tem alguma informação sobre um menino de rua que foi atropelado?
Espere um pouco, senhora, vou verificar – respondeu a atendente do hospital diante de uma distinta dama que entrou na recepção, atraindo a atenção de todos.
Que fazia aquela senhora tão rica num hospital de indigentes?
- Demorei muito para descobrir na polícia, onde ele veio parar. Coitadinho!
- Ele está na enfermaria 312, mas o horário de visitas é a partir das...
A moça não conseguiu terminar a frase, pois a senhora já havia se dirigido para lá em passos apressados. Era tal a sua distinção que ninguém ousou impedi-la.
- Ah, meu filho, você está bem?
- Quem... quem é a senhora?
- Você não me conhece, mas estou rezando por você há muitas horas!
- Como assim?
- Eu vi você ser atropelado e tive muita pena, tanto que passei mal e tive que ser atendida. Quando melhorei, procurei saber onde você estava, para obter notícias suas.
- Eu... – os soluços retiveram as palavras da criança, que procurava cobrir o rosto, para esconder suas lágrimas.
- Ele vai ficar aleijado, pobrezinho – comentou o vizinho de quarto.
A senhora, tomando a cabeça do menino entre os braços e apertando ao seu coração, disse com a voz entrecortada por soluços e embargada pelas lágrimas:
- Eu perdi meu único filho há muitos anos... ele foi atropelado! Meu coração esperava alguém a quem dedicar seu amor materno e Deus me trouxe até aqui! Você tem mãe?
O menino tremeu convulsivamente e, procurando segurar um dolorido pranto, balançou negativamente a cabeça.
-Vo... você quer ser meu filho?
- Mas eu tenho dois irmãos...
- Deus me levou um filho e me dá três! Ele sempre faz tudo com perfeição!
- Até parece que Deus escreve certo, mas por linhas tortas – disse o menino.
- Não meu filho – retrucou seu vizinho – Deus escreve certo por linhas certas, nós é que vemos torto! Você agora tem uma mãe, terá oportunidade de estudar, de ter uma educação e, sobretudo, de conhecer o grande amor que Deus tem por você.


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