segunda-feira, 7 de maio de 2018

O CRUCIFIXO DE TOM CONNER


 
Primeira guerra mundial / escreve Carlos J. Murray, S.J.)



Frank Murray jamais esquecerá aquele dia...
 
A metralhadora matraqueava cada vez com mais intensidade, enquanto ao redor terríveis explosões abriam crateras.
Murray e seu companheiro, Tom Conner, estavam inquietos esperando a hora de avançar. Era preciso conquistar a elevação de Ourq e desalojar o inimigo de suas posições. Eram terríveis minutos os que os dois estavam vivendo. 

O rosto de Frank tomou uma cor amarelenta, enquanto seus dentes começaram a bater. Conner, porém, tinha o rosto sereno e mesmo um leve sorriso. Frank perguntou:
Como você pode estar tranqüilo?

Conner responde: Frank... sou católico e sei que estou nesta vida para salvar minha alma. Vivo preparado para morrer, quando Deus quiser. Quero ir para a Pátria celeste!
Os dois ficaram algum tempo em silencio. Então, Conner, aproximando-se do amigo lhe disse: toma isto e lembra-te de mim, se conseguires escapar com vida.
Frank jamais esquecerá deste momento. Era um crucifixo de prata, que pendia de uma corrente do mesmo metal.
Quando o pus sobre o peito – conta Frank – foi dada ordem de estar alerta. Meu regimento deixaria o de Tom Conner, que ocuparia o outro lado do rio. Despedi-me do amigo, talvez para sempre.
Passaram vários dias que me pareceram séculos. Certa vez, quando atravessava um campo minado, vi estendido ao meu lado, vítima da metralha, um jovem soldado alemão. De seus lábios pude ouvir estas palavras: HEILIGE MARIA MUTTER GOTTES.... Era a Ave Maria, a oração que rezava tantas vezes meu amigo Tom Conner. Este inimigo ferido era também católico. 
Instintivamente, arranquei o crucifixo de prata, presente do amigo Tom e aproximei-o dos lábios do soldado. Parece que eu o vejo diante de mim. De seus olhos e de seu rosto desprendeu-se um sorriso de paz, de agradecimento, de amor. Então, não compreendi, mas depois me recordei: era o sorriso de Tom. Coloquei o crucifixo nas mãos do inimigo ferido e saí.
Passaram varias semanas. Entretanto, a guerra chagava a seu termo. Pude, enfim, voltar para minha pátria. Uma coisa me pesava, o ter dado a outrem o crucifixo de Tom. Parecia ter sido generoso demais... pois era a recordação dum amigo tão caro. Mas consolava-me com o pensamento de que Deus não esquece um copo de água dado em seu Nome.
Em minhas viagens a recordação de Tom me aguilhoava, de modo que me detinha nas estações para examinar as fisionomias dos passageiros. Tinha certo pressentimento de que ainda o havia de encontrar.
 
No último verão viajei pela Itália, admirando sua beleza. Embarquei de volta no navio Duílio. Fizemos escala em Cherbourg, para receber carga. Estava contemplando as manobras de embarque, quando ouço uma voz conhecida. Quem seria? O meu amigo Tom Conner! Já tinham passado oito anos depois de nosso último encontro em Ourq.
Conversamos por um largo tempo. Ele devia voltar a Paris, depois de liquidar uns negócios em Nova York. Falou-me de suas aventuras, confessando que estava doente do coração. Os médicos não lhe davam muito tempo de vida. Pediu-me o crucifixo que me dera, pois era lembrança de sua mãe. Tive de lhe explicar o sucedido, com o que facilmente se conformou. Disse do seu contentamento por viajar comigo.
Depois de nos despedirmos, passaram-se varias horas. Estava eu descansando tranquilamente em meu camarote, quando batem com força à porta.
O senhor Conner o chama com urgência. Quando cheguei, o médico que o assistia, chamando-me à parte, disse: é um ataque do coração. Fale-lhe com cuidado. Provavelmente durará uma hora só.
Aproximei-me e Tom disse: Como Deus é bom! Estava só e Ele te chamou para me assistir. Queres verificar se há algum sacerdote a bordo?.... Regressei desanimado da busca que fiz: a lista de bordo não registrava nenhum sacerdote. Depois de rezar o ato de contrição, disse: olha, Frank... uma coisa não entendo, fiz as nove primeiras sextas-feiras e, segundo a promessa do Coração de Jesus, não devo morrer sem os sacramentos... Expliquei-lhe, conforme já estava informado, de como se deve compreender esta promessa. O Coração de Jesus promete, aos que comungarem nove vezes seguidas, durante as primeiras sextas-feiras de cada mês, a graça da perseverança final. Tom conformou-se. Oferecia o sacrifício de morrer sem o consolo do sacerdote... e pusemo-nos tranquilamente a rezar.
De repente, abre-se a porta e entra um dos oficiais de bordo. Tom! Você sabe que viaja a bordo um sacerdote que vai a Southampton?
Tom sorriu. Pouco depois entrava um padre beneditino. Confessou a Tom e deu-lhe os últimos sacramentos. Tom estava tranqüilo. Mas... qual não foi sua surpresa ao ver o crucifixo no peito do beneditino! Era o mesmo que me havia dado em Ourq, a lembrança de sua mãe!
– Meu crucifixo!
O padre pensou que delirava.
– Foi um soldado americano que mo deu – disse ele – quando fui ferido na batalha de Ourq. Prometi a Deus que, se saísse com vida, me faria beneditino. Assim o fiz anos depois, entrando num mosteiro da Alemanha. Se estou aqui, devo-o à caridade de um soldado inimigo.
Eu o olhei demoradamente.
– Sim, é verdade! E eu sou esse soldado americano! O crucifixo é realmente de Tom.