quinta-feira, 27 de fevereiro de 2020

Maria aceita sofrer com seu Filho


Alexandre de Hollanda Cavalcanti
Os dias da Quaresma nos preparam para o momento supremo da Paixão e Morte de Nosso Senhor, que se entregou para salvar-nos.
Este período tão importante para nossa vida espiritual exige que encontremos um modelo de perfeita união com Jesus Cristo para alcançar a preparação necessária para as graças que Deus enviará no memorial do sacrifício redentor e de sua Páscoa vitoriosa.
A primeira pessoa que conheceu este mistério foi Maria. Por isso, seu exemplo é o melhor modelo de preparação para a Semana Santa que se aproxima.
A Santíssima Virgem conheceu, desde o início de sua vocação, o aspecto doloroso da salvação que seria conquistada por Nosso Senhor Jesus Cristo e aceitou, de modo total, voluntário e irrevogável, unir-se ao desejo divino, aceitando, de antemão todas as consequências da maternidade divina. Por isso Ela respondeu ao anjo: “Eis aqui a escrava do Senhor”. Escrava! Ela não colocou limites na sua entrega, mas aceitou tudo o que fosse da vontade de Deus, inclusive a dor e o sofrimento. A Vítima que começaria a formar-se no seu seio virginal, contou com sua aceitação, em nome de toda a humanidade, para no futuro oferecer-se em holocausto redentor no desenlace trágico do Calvário.
A Igreja nos ensina que durante os dias da Quaresma devemos escutar com mais frequência a Palavra de Deus, dedicar-nos mais à oração, e fazer também penitência. Este é um tema pouco lembrado em nossos dias, mas devemos recordar que quando Nossa Senhora apareceu aos três pastorzinhos em Fátima, insistiu em que devemos fazer penitência por nossos pecados e em reparação pelos pecados da humanidade. A penitência educa nossa vontade e é um ato concreto de nosso amor a Deus, pois não existe amor sem sacrifício e não existe sacrifício sem amor.
Outro ponto importante é recordar nosso Batismo e o vínculo que a partir deste Sacramento temos como nosso Salvador. Nesta preparação quaresmal, a liturgia nos propõe o exemplo da Santíssima Virgem Maria, sempre fiel à vontade divina, que seguiu os passos de seu Filho Santíssimo até o Calvário, para morrer com Ele (cf. 2Tm 2,11). Quando, ao final dos quarenta dias, chegarmos à gloriosa Páscoa redentora, contemplaremos nossa Mãe celestial como uma “mulher nova”, quer dizer, como o início de uma nova criação, em que tudo nasce de Cristo e, portanto, esta “humanidade nova” estará também totalmente unida à “Escrava do Senhor”.
No Evangelho de São Mateus encontramos o relato do que deve ter sido a primeira participação dolorosa de Maria na missão salvadora de Jesus. Isto se deu antes mesmo de que Ela tivesse conhecimento de sua vocação à Maternidade Divina e a inspirou a consagrar sua vida ao serviço do Messias esperado por todo o povo de Israel. Por este motivo, pode-se dizer que a jovem Donzela de Nazaré foi a primeira “escrava de Maria”. A expressão causa uma certa surpresa, mas São Luís Maria Grignion de Montfort explica que a Santíssima Virgem quis dedicar toda sua vida a servir àquela que seria a mãe do Salvador. A jovem Maria nem podia imaginar que era Ela mesma a eleita de Deus para esta alta missão!
Conhecendo as Sagradas Escrituras com uma inteligência superior à dos maiores gênios da humanidade e iluminada pelo Espírito Santo com luzes muito maiores que as de Isaías o qualquer outro profeta, a delicada Virgem de Nazaré esperava a vinda do Messias para seus dias e por isso decidiu consagrar sua vida completamente a seu serviço. O Evangelho de São Lucas deixa isto claro ao relatar a pergunta: “Como se fará isto, pois não conheço homem?” (Lc, 1,34) antecedida da afirmação de que Nossa Senhora já estava desposada com São José, da casa de David. Desde São Gregório de Nissa, Santo Agostinho, até os mariólogos atuais, se encontra neste texto a revelação de que Maria tinha feito um voto ou propósito de virgindade a partir do momento em que ela foi capaz de compreender o sentido desta consagração.
Esta consagração, feita em idade tão remota, talvez no período em que ela estava no Templo, dá inicio à sua união com o sacrifício de Jesus. Efetivamente, a decisão de manter-se virgem, numa sociedade que não compreendia a virgindade consagrada, sobretudo para as mulheres, traria consequências muito difíceis para uma menina de tão tenra idade. Como expressar esta decisão, em termos compreensíveis, aos adultos que não haviam recebido esta graça do Espírito Santo?
Com certeza esta decisão encontraria rechaço até em sua própria família e de toda a sociedade israelita. Seria necessário renunciar à possibilidade de ser uma ascendente do Messias, com o perigo, inclusive, de desviar os desígnios divinos abdicando à maternidade, se dela pudesse, num futuro próximo ou distante, nascer o prometido Salvador.
O drama da virgindade de Maria se transformava quase em agonia na previsão de uma vida compartida num inevitável matrimônio futuro. Onde encontrar um esposo com os mesmos sentimentos? Na sociedade da época nem sequer era permitido que Ela o procurasse. O ideal de virgindade para a jovem Donzela era um verdadeiro “beco sem saída”! [1]
Deus daria solução a este problema no momento oportuno, mas a santa Donzela não podia, antes da Anunciação, nem sequer imaginar os grandiosos planos que o Senhor tinha para Ela.
Quanto deve ter custado esta decisão? Com certeza, muita dor de alma, muita angústia, muito sofrimento... mas este sacrifício não foi estéril! A mulher que decidiu consagrar-se a Deus na total virgindade, renunciando voluntariamente à maternidade e, portanto, à hipotética possibilidade de ser mãe ou sequer ascendente do Messias, foi a eleita para unir-se a Deus no grande plano de salvação da humanidade.
Este modelo de amor, de dedicação, de aceitação do sofrimento unido ao sangue redentor de Cristo nos dá a clave para viver bem esta Quaresma, seguindo os passos de Jesus através do caminhar de Maria.
 
Esta via dolorosa, de dúvida vocacional, que não sabemos quanto durou, preparou o Coração Imaculado da santa Menina, para receber a visita do mensageiro de Deus. Por isso Ela não se assustou quando viu o anjo São Gabriel, mas sentiu um verdadeiro temor quando conheceu a grandeza de sua vocação. O mensageiro divino a tranquilizou: “Não temas Maria! [...] O Espírito Santo descerá sobre ti, e a força do Altíssimo te envolverá com a sua sombra. Por isso, o ente santo que nascer de ti será chamado Filho de Deus” (Lc 1,30.35).

Maria cogitou profundamente em seu coração, perguntou ao anjo como se daria este mistério e entendeu toda a missão à que estava sendo convidada. Por isso sua resposta não continha nenhuma hesitação: “Faça-se em mim segundo a tua palavra” (Lc 1,38). E o Verbo de Deus se fez carne, e habitou entre nós! (Jo 1,14)
Caminhemos estes dias com Maria e preparemo-nos para o momento em que, contemplando a Paixão, o sofrimento, a agonia e a morte do Senhor, possamos unir-nos totalmente a este sacrifício redentor e dizer com Maria: “Senhor, faça-se em mim o que for necessário para salvar este mundo que cada dia abandona mais a seu Deus e Senhor”.


[1] Cf. A.M. Artola Arbiza, Dolorosa. Meditaciones sobre la Compasión de María, 47-50.