quarta-feira, 18 de julho de 2012

Uma leprosa envergonhou-me


Pe. Héber de Lima, S. J.

«Era de tardinha na leprosaria de Fontilles, Espanha. Depois de atender os meus leprosos, saí da enfermaria para espairecer um pouco. E rezar o terço. O meu caminho passava diante da capela. Entrei e ajoelhei-me num dos bancos.

Na penumbra do santuário percebi que lá na frente junto ao presbitério havia alguma coisa, alguma figura que se movia pouco.  Os contornos foram-se definindo e, finalmente, não havia dúvida: era uma mulher ajoelhada e com os  braços em cruz.

Aquela cena mexeu comigo, me chamou a atenção e fiquei a olhar aquele espetáculo, sobre o qual todo o céu devia estar debruçado. Os dois braços pareciam terminar em mãos fechadas.

Observando melhor percebi que eram mãos sem dedos! Eram mãos leprosas. E estavam em cruz! Como se a lepra não fosse já uma cruz e a pobre mulher não estivesse já crucificada. De vez em quando, os braços caíam para um breve descanso; depois subiam de novo... 

A mulher estava absorta em oração diante do crucificado, alheia ao que se passava em torno de si.

Lembrei-me aí de Moisés no alto do monte a rezar. Só que o velho patriarca tinha dois homens a segurar-lhe os braços, e aquela mulher estava só, crucificada na sua lepra.

Senti uma vontade enorme de trazer o mundo inteiro para dentro daquele pequeno templo. Especialmente o mundo elegante e vazio, que vende a alma ao conforto e à preocupação com o corpo.

Depois da comoção, comecei a sentir vergonha. Vergonha por mim mesmo e pelo mundo, pelos homens e mulheres do meu tempo. Vergonha por ver que nós, pecadores, não fazemos a penitência de que precisamos...»
                                                                                    
                                                                                      

terça-feira, 17 de julho de 2012

O Escapulário de Nossa Senhora do Carmo



Por Alexandre de Hollanda Cavalcanti

O mês de julho nos traz uma data muito importante: a festa de Nossa Senhora do Carmo.
Esta invocação está intimamente ligada à primeira manifestação de Maria na história da humanidade.
O Monte Carmelo fica na Galileia e foi lá que o profeta Elias estava rezando após três anos e meio de seca que afligia todo o povo de Israel.
Uma pequena nuvem, do tamanho da palma de uma mão apareceu por cima do mar e o profeta mandou avisar ao rei que a chuva cairia sobre o país, salvando o povo da miséria e da seca.
Aquela nuvem era um sinal da Virgem Maria, pois assim como ela anunciava a chuva salvadora, a humilde Maria anunciou e trouxe em si mesma a grande chuva de graças de nossa Redenção que foi Nosso Senhor Jesus Cristo.
Uma antiga tradição diz que os discípulos de Elias, em lembrança daquela visão, fundaram uma congregação no próprio Monte Carmelo para homenagear a Mãe do Messias que viria para salvar a humanidade.
Segundo a mesma tradição, esta Congregação no dia de Pentecostes, eles abraçaram o cristianismo e erigiram no Monte Carmelo um santuário à Santíssima Virgem, naquele mesmo lugar, onde Elias vira aparecer a nuvenzinha. Adotaram eles o nome de Irmãos da Bem-Aventurada Maria do “Monte Carmelo”.
Em 1225, o inglês Simão Stock tornou-se carmelita e no ano seguinte viajou a Roma onde a Ordem foi oficialmente reconhecida em 1.226, depois de uma aparição da Santíssima Virgem ao Papa Honório III.
Os carmelitas sofreram terríveis perseguições, mas a Virgem Santíssima sempre teve uma predileção especial pela primeira Ordem erigida em seu louvor e por isso, em 16 de julho de 1251, enquanto  São Simão Stock, já superior geral, rezava, diante dele apareceu Maria Santíssima, rodeada de uma multidão de anjos, e trazendo, em suas mãos, o Escapulário da Ordem, dizendo essas palavras:  “Meu filho, eis o meu escapulário, que será o distintivo de minha Ordem. Aceita-o como um penhor de privilégio, que alcancei para ti e para todos os membros da Ordem do Carmo. Todo aquele que morrer revestido deste santo Escapulário, não arderá nas chamas do Inferno. Este hábito é um sinal de salvação, uma segurança de paz e aliança eterna”.
Em pouco tempo o Escapulário de Nossa Senhora do Carmo já cobria desde os mais humildes camponeses até Papas, Cardeais e Bispos.
Em 1314, Nossa Senhora aparecendo ao Papa João XXII e prometeu especial proteção aos que trouxessem o Escapulário, acrescentando que os livraria do purgatório, no primeiro sábado após sua morte. Este Papa publicou a Bula Sabatina, estabelecendo os privilégios e condições do uso do Santo Escapulário.
Um costume muito salutar é beijar o Escapulário todo dia, e rezar 3 Ave-Marias, pedindo a graça de não cair em pecado grave.
A morte, por dolorosa que seja, é inevitável. Todos nós passaremos por ela. Por isso, é preciso nos prepararmos, pois será nossa última e principal batalha.
O Escapulário que Deus nos entrega pelas mãos de Maria será a melhor arma para esse momento tão difícil, porque Ela prometeu estar presente para acompanhar seus devotos nessa hora em que disputamos a posse eterna do céu.
Às vezes somos tendentes a empobrecer a devoção a Nossa Senhora do Carmo imaginando que o Escapulário é uma espécie de amuleto que dá sorte. Entretanto, ele é um símbolo de algo que precisamos viver em profundidade: sermos devotos de Maria Santíssima e imitar suas virtudes, sendo verdadeiros cristãos.
A principal condição que Nossa Senhora colocou foi a guarda da castidade, segundo o estado de cada um. Além disso, desapegar-se das coisas materiais, guardando a pureza da alma e do corpo.
As condições estabelecidas pela Igreja para a utilização do Escapulário, são as seguintes:
- Receber o escapulário das mãos de um sacerdote habilitado para fazer a imposição e usá-lo com devoção. Quando precisar mudar o escapulário, aí já não é mais necessária a bênção.
- Convém rezar diariamente algumas orações marianas, normalmente um terço ou, pelo menos sete Pai-Nossos, sete Ave-Marias e sete Glória ao Pai.
Os decretos pontifícios não estabelecem uma oração específica. Geralmente o sacerdote indica no momento em que faz a imposição do escapulário.
- A pessoa deve conservar a castidade própria ao seu estado e rezar as horas marianas. Quem não puder cumprir esta segunda condição, observe a abstinência de carne nas quartas-feiras e sábados. As duas obrigações de recitar o ofício mariano e a abstinência de carne podem, se houver razões suficientes, ser comutadas em outras equivalentes.
São inúmeros os casos de milagres operados pela devoção ao Santo Escapulário:
1 - A revista americana THE SCAPULAR transcreve o seguinte episódio: “Há pouco tempo, um capelão militar entrou em um vagão de trem onde se achava um soldado. Este, não percebendo que o capelão era protestante, cumprimentou-o e entabulou conversa, apresentando-se:
“Padre, eu sou Billy Rive, o soldado que foi atingido pela bala que se achatou no Escapulário”. E tirou do bolso o bentinho rasgado. A bala atravessou a roupa e eu caí. Julguei que tivesse chegado o último momento. Quando voltei a mim, o capelão estava curvado sobre mim: ele não era católico e quando viu o ocorrido, chamou o sacerdote. Tiraram do bentinho a bala achatada e a única consequência foi uma leve contusão”.
O ministro tomou o bentinho das mãos do soldado e estudou cuidadosamente. Depois de prolongado silêncio disse: “Não sou católico, mas será que eu poderia usar o escapulário também?”. Billy Rice antes de ir para a guerra tinha abandonado sua fé católica. Foi somente por insistência de sua mãe que prometera usar o Escapulário do Carmo.
Nas histórias de Santos, normalmente se contam casos que aconteceram com pessoas que não conhecemos. Mas eu tenho um caso em que eu mesmo sou testemunha. Eu tive um aluno, um rapazinho aqui em São Paulo que estudava, em regime de semi-internato, num colégio católico e recebeu o escapulário. Pouco a pouco o rapaz, iludido com os atrativos do mundo estava se afastando da Religião e se percebia que, dentro alguns anos, sobretudo quando viessem as solicitações próprias da adolescência, ele provavelmente se afastaria totalmente de Deus.
O pai e a mãe dele rezavam sempre pedindo a proteção de Nossa Senhora para seu filho. Ele ficava toda a semana no colégio e nos fins de semana ia para a casa dos pais, de trem. Certa vez ele despediu-se do diretor do colégio e foi para casa. Quatro dias depois o pai telefona para o colégio perguntando por que o filho não foi para casa naquele final de semana.
- Mas ele saiu daqui na sexta-feira à tarde! - Disse o diretor.
- Até hoje não chegou em casa, disse o pai, já com a voz embargada.
O diretor do colégio foi com o pai a várias delegacias e hospitais, mas nada. Restava apenas um lugar: o IML.
Chegam lá, perguntam ao funcionário se tinha dado entrada o corpo de  algum jovem falecido.
Imaginem a aflição daquele pai, enquanto o funcionário procurava nas fichas...
Tem aqui um rapaz de uns 14 ou 15 anos, mas não temos nenhum documento pois estava sem nada nos bolsos.
O pai, muito católico e também um homem de muita fibra, muito decidido estava percebendo que tinha perdido seu filho, mas preocupava-se, sobretudo, como o destino eterno do menino. Ele teria se salvado? Pedia a Deus um sinal.
Enquanto o funcionário puxava a gaveta, comentava com o pai: “Não sei se o Sr. vai conseguir reconhecer, foi atropelado por um trem...
Apareceram primeiro as pernas, totalmente despedaçadas, o abdome, o peito... e aí o pai viu o escapulário que o menino segurava com uma das mãos!
Entre lágrimas o pai dizia. Perdi o meu filho, mas graças a Deus ele está no céu. Nossa Senhora me deu o sinal!
Um outro jovem, de 16 anos, também conhecido meu, que morava em Itaquera, São Paulo, afogou-se na praia de Bertioga e foi levado pelo mar. Os bombeiros encontraram seu corpo, três dias depois em uma ilha, segurando, com as duas mãos o escapulário!
É impressionante o fato narrado na vida de São João Batista Vianey, conhecido como o Santo Cura D´Ars: Ele confessava uma moça. Em certo momento ele olhou para ela e perguntou: “Não te lembras daquele baile em que entrou um rapaz muito elegante e começou a dançar com as outras moças”
- Como o Sr. sabe?
Sem responder, continuou o santo: “Lembras como ele não te convidou, te sentiste desprezada?” - Lembras que ao se retirar ele do salão, parecia saírem faíscas de seus sapatos? - “Pois bem, aquele rapaz estava possuído pelo demônio, e não se aproximou de ti porque trazias o Escapulário.
Em Fátima, coroando todas as aparições, que foi o acontecimento mais importante do século XX, Nossa Senhora quis mostrar-se a Lúcia vestida com o hábito dos carmelitas, com o seu Escapulário, mostrando que o principal simbolismo do escapulário é ser a veste da própria Virgem Maria.
         Usemos o escapulário com toda a devoção, com todo o amor e, sobretudo, sejamos fervorosos devotos de Nossa Senhora, pois Ela é o caminho pelo qual Jesus veio até nós e Ela é o caminho certo, pelo qual nós iremos a Jesus.

domingo, 8 de julho de 2012

A alegria dum sacerdote

'                Ao terminar a costumada visita aos paroquianos doentes, quando entrava na igreja o jovem padre vê uma senhora vir  ao seu encontro:
    -- Senhor Prior, venha a casa de um homem que está muito doente! Ele retornou da África há pouco tempo. É contra a Religião e até diz que não o receberá, mas venha! Ninguém me pediu para o chamar, mas o senhor é sacerdote e ele é uma alma para salvar.
    Um paroquiano que ouviu a conversa intrometeu-se: -- Ora, Senhor Padre, lá o senhor não vai conseguir fazer nada. Não vale a pena incomodar-se, pois já é quase noite e está a cair neve. Vá para a casa paroquial descansar.
    Ao padre nem pareceu  ter ouvido a sugestão do paroquiano. E disse: -- Eu vou agora mesmo, pois  receio não dar tempo de  atender o pobre homem. Vou cumprir  meu dever! – respondeu prontamente o sacerdote, que pôs toda a confiança em Deus.
    Depois de dura caminhada noturna chegou e entrou numa casa miserável. O ar era irrespirável. Numa cama perto da lareira o doente  tossia forte e quase ao desespero. A seu lado, a idosa mãe lhe fazia companhia, agasalhada num cobertor.  
    Ao ver o sacerdote a mulher levantou-se muito surpreendida e o homem doente, ainda com ar de rapagão, muito zangado, gritou-lhe:
    -- Que veio fazer aqui? Vá-se embora, eu não preciso de você. E deu-lhe as costas.
    -- Meu amigo, -- respondeu calmamente o Pároco – acabo de visitar todos os meus doentes e como soube que estava de cama, vim vê-lo também. Venho com muito gosto e sem más intenções. Vejo que ficou um pouco aborrecido, mas apesar de tudo, voltarei amanhã. Virei todos os dias rezar com você enquanto estiver doente. Muito boa noite!
    A mãe saiu com o jovem sacerdote e disse-lhe:
    -- Senhor Padre, não se zangue. Ele não é tão mau como parece. Isto foram as más  companhias em África. E agora com essa doença... compreende? Por favor, não o abandone.
    Começou então para o sacerdote  outra  grande  prova da sua vida. A salvação dessa alma. Anos mais tarde ele recordaria tudo isso com muita alegria, pois as provas mais duras são as que deixam recordações mais consoladoras.
    Visitar o pobre doente todos os dias, percorrer o mesmo trajeto, longo, alguns dias debaixo de chuva e trovoadas, para só ouvir insultos daquela boca doentia, sem uma palavra de agradecimento. . . Que tormento! Que escola de paciência!
                Depois de ouvir sabe lá o quê, o sacerdote descia a encosta, pedindo à Virgem Maria, Refúgio dos Pecadores, que tivesse pena daquela alma. Quantas vezes ele soluçava a meia voz e repetia: “Ó Maria, Vós sois a melhor das mães, que socorre sempre os seus filhos tão necessitados. Desde que estou no mundo, quando minha mãe  me ensinou a pronunciar vosso nome nas horas difíceis, eu tenho recorrido com confiança a Vós, e sempre fui atendido. Peço-vos então por esta alma endurecida pelo orgulho, não para mim, mas para Jesus e para Vós. E  como sou vosso instrumento, farei a vossa vontade. Amem.”
  Depois de rezar esta oração sentia grande paz e compreendia que aquelas palavras de Jesus a Pedro: “Vai, meu filho, vai. Compreenderás tudo mais tarde” eram também para si.
  Já tinha feito vinte e cinco visitas, algumas sem conseguir entrar na casa. Neste dia quando chegou à aldeia disseram-lhe:
  -- Senhor Padre, ele está muito mal, está mesmo a morrer!
  O sacerdote, confuso, quase nem tinha coragem de bater à porta, onde parou, indeciso. Mas resolveu-se a cumprir seu dever de pastor das almas. Bateu, entrou e aproximou-se do leito. Como sempre, o doente virou-se de costas em sinal de desprezo pela presença dele. O Pároco não desistiu e disse-lhe pertinho com um tom carinhoso:
  -- Meu amigo, chegou a hora final de pensar na sua alma. Estou aqui para ajudá-lo!
  Cena horrorizante: o moribundo começa a estrebuchar e insulta-o aos gritos. Depois de uma pausa, acrescentou:
  -- Estou mesmo morrendo. Mas ainda tenho forças para pegar um pau e dar-lhe uma pancada na cabeça!
              O sacerdote aproximou-se do rapaz, senta-se junto aos pés dele e diz:
  -- Aqui você me tem mais de jeito para bater. Faça como quiser.
  O homem calou-se, espantado, e o pároco continuou:
  -- Amanhã a esta hora estarei aqui para o confessar e você há de fazê-lo.
  Saiu pedindo a Nossa Senhora que não abandonasse aquela alma. No dia seguinte, pela vigésima sétima vez entrou na casa.
  Maravilha! Encontrou o doente completamente mudado. O padre sentou-se a seu lado e começou a rezar alto e lentamente, despertando nele sentimentos de verdadeira contrição e depois disse:
  -- Deus Nosso Senhor e a Virgem Maria estão aqui no meio de nós. Não tenha receio, será muito simples. Eu vou fazer perguntas às quais responderá apenas sim ou não.
  À medida que a confissão avançava, as lágrimas do penitente aumentavam. O padre pediu a Deus que lhe desse um sinal comprovativo das boas disposições desta alma. Neste momento o homem começou a falar:
  -- Senhor Padre, quero pedir-lhe uma coisa, Deus vai perdoar-me, mas o senhor perdoe-me também. Tratei-o como se trata um cão. Quis bater-lhe, matá-lo e apesar de tudo o senhor sempre  voltou. Percorreu mais de 300 quilômetros para me ver todos esses dias. Eu fiz a conta. A sua caridade me fez pensar. É um homem sério que acredita no que diz. O senhor perdoa-me?
  Cheio de compaixão o sacerdote respondeu:
  -- Cem vezes, se for preciso! Agora diga comigo o Ato de Contrição.
  No fim da confissão e com um esforço enorme o moribundo conseguiu pôr-se de pé e abraçou o pároco. Meia hora depois recebeu Unção dos Enfermos e o Sagrado Viático. No dia seguinte à noite partiu para a casa do Pai. Morreu tranqüilo.
  Quando o franzino sacerdote desceu a encosta, a sua alma cantava como nunca. Agradecia a Nossa Senhora e aprendia por experiência duas verdades:
  -- que só Deus converte;
  -- que Nossa Senhora é toda-poderosa quando suplica a Deus.
  Este caso, acontecido há mais de cem anos em França, veio traduzido e relatado na revista “Irmã Maria”, órgão da Causa de Beatificação e Canonização da Beata Maria do Divino Coração.
                                                           
                                                                                       Revista “Magnificat” – Braga - Portugal