domingo, 21 de agosto de 2011

É verdade que existe o Inferno?


      Padre André Beltrami, S. D. B.


     Muita gente pergunta se Deus, sendo tão bom poderia ter criado o Inferno. Vejamos um pouco o que Ele mesmo diz através de seu Filho que é a Segunda Pessoa da Santíssima Trindade, e portanto o mesmo Deus, que se encarnou e viveu entre nós.
   Jesus Cristo pelo menos quinze vezes proclama a existência deste lugar de tormentos. Para causar em nós um saudável temor e dar-nos uma idéia justa do inferno, Ele o chama: Fogo inextinguível, trevas exteriores, onde haverá pranto e ranger de dentes, lugar de tormentos, fornalha de fogo, Geena de fogo.
     A Geena era um vale perto de Jerusalém, onde alguns maus hebreus, apóstatas de sua religião, sacrificavam ao ídolo Moloc os seus filhinhos, expondo-os antes ao fogo. O piedoso rei Josias, para abolir esse bárbaro costume, mandou aterrar o vale, ordenando que se lançasse aí o lixo da cidade e os cadáveres aos quais fosse negada a sepultura; e, como medida profilática, o fogo era mantido sempre aceso nele. Nosso Divino Salvador, para tornar mais sensível a idéia do inferno, tomou a imagem desse vale, que os hebreus abominavam, dando-lhe precisamente o nome de Geena.
     Na parábola do rico epulão, tão cheia de ensinamentos, e que tanto incomoda aos ricos gozadores do mundo, Jesus nos ensinou que o mau uso das riquezas leva inevitavelmente ao inferno, enquanto as dificuldades e as privações suportadas por amor de Deus conduzem ao lugar de eterna felicidade.
“Havia um homem rico, que se vestia de púrpura e de linho, e que todos os dias se banqueteava esplendidamente. Havia também um mendigo, chamado Lázaro, o qual recoberto de chagas, estava deitado à sua porta, desejando saciar-se com as migalhas que caíam da mesa do rico, e ninguém as dava para ele; mas os cães vinham lamber-lhe as feridas.
     “Ora, aconteceu morrer o mendigo, e foi levado pelos anjos ao seio de Abraão. Faleceu também o rico, e foi sepultado no inferno. E, quando estava nos tormentos, levantando os olhos, viu ao longe Abraão, e Lázaro em seu seio; e, gritando, disse: Pai Abraão, compadece-te de mim, e manda a Lázaro que molhe em água a ponta do dedo, para refrescar a minha língua, pois sou atormentado nesta chama. E Abraão disse-lhe: Filho, lembra-te que recebeste os bens em tua vida e Lázaro, ao contrário, males, por isso agora ele é consolado e tu és atormentado. E, além disso, há entre nós e vós um grande abismo; de maneira que os que querem passar daqui para vós não podem, nem os de aí passar para cá. E disse: Rogo-te pois, ó pai, que o mandes a casa de meu pai. Pois tenho cinco irmãos para que os advirta disto e não suceda virem também eles parar neste lugar de tormentos. E Abraão disse-lhe: Eles têm Moisés e os profetas; ouçam-nos. Ele, porém, disse: Não, pai Abraão, mas se algum dos mortos for ter com eles, farão penitência. E ele disse-lhe: Se não ouvem a Moisés e aos profetas, tampouco acreditarão, ainda que ressuscitasse algum dos mortos”. (S. Lucas, XVI, 19-31).
     Aqui está, descrito com cores vivas, aquele reino de dor, onde um fogo abrasador e horrível atormentará, sem um instante de trégua, o mísero condenado: Uma gota, uma única gota de água pedia o epulão para mitigar os insuportáveis ardores da sede, e essa gota lhe foi negada sem dó! Ai! Quem de vós, brada aos ímpios o Profeta Isaías, cheio de espanto, quem de vós poderá habitar nesse fogo devorador? Nesses ardores eternos?
Ao final da parábola, acena-se à repugnante incredulidade de tantos infelizes que vivem mergulhados nos vícios, não se importando com as verdades eternas, nas quais não creriam nem mesmo se aparecesse algum condenado para lhes atestar a existência do inferno. Qual não será o seu desespero quando se virem, um dia, sepultados naquele abismo de tormentos, sem a menor esperança de saírem de lá?
     Em outra parte, Jesus Cristo descreve o juízo universal que Ele fará no fim do mundo, e a sentença de condenação eterna que proferirá contra aqueles que não praticarem as obras de misericórdia para com os seus irmãos, e que serão precipitados no fogo que nunca se acaba, preparado para o demônio e seus sequazes. Quanto temor não causa à alma a consideração deste trecho do Evangelho! Ah! Se os libertinos, que negam com tanto atrevimento a vida futura, refletissem um pouco, certamente mudariam de vida! Foi fruto desta meditação aquela tão sublime poesia do Dies irae, que é o gemido de uma alma toda compenetrada do terror do juízo divino e do destino eterno que a espera depois.
     “Quando vier o Filho do homem em Sua majestade, e todos os anjos com Ele, então se sentará sobre o trono da Sua majestade, e serão todos os povos congregados diante dEle, e separará uns dos outros como o pastor separa as ovelhas dos cabritos. E porá as ovelhas à Sua direita, e os cabritos à esquerda.
     “Então dirá o Rei aos que estiverem à Sua direita: Vinde benditos de meu Pai, possuí o reino que vos está preparado desde o princípio do mundo; porque tive fome, e destes-Me de comer; tive sede, e destes-Me de beber; era peregrino e Me recolhestes; nu, e Me vestistes; enfermo, e Me visitastes; estava no cárcere e fostes Me visitar. Então Lhe responderão os justos, dizendo: Senhor, quando é que nós Te vimos faminto e Te demos de comer; com sede e Te demos de beber? E quando Te vimos peregrino, e Te recolhemos; nu, e Te vestimos? Ou quando Te vimos doente, ou no cárcere e fomos visitar-Te? E, respondendo o Rei, lhes dirá: Na verdade vos digo que todas as vezes que vós fizestes isto a um destes Meus irmãos mais pequeninos, a Mim o fizestes.
     “Então dirá também aos que estiverem à esquerda: Apartai-vos de Mim, malditos, para o fogo eterno, que foi preparado para o demônio e para os seus anjos; porque tive fome, e não Me destes de comer; tive sede e não Me destes de beber; era peregrino, e não Me recolhestes; nu, e não me vestistes; enfermo e no cárcere e não Me visitastes. Então eles também Lhe responderão, dizendo: Senhor, quando é que nós Te vimos faminto, ou sequioso, ou peregrino, ou nu, ou enfermo, ou no cárcere, e não Te assistimos? Então lhes responderá, dizendo: Na verdade vos digo: todas as vezes que não o fizestes a um destes mais pequeninos, a Mim não o fizestes. E estes irão para o suplício; e os justos para a vida eterna.” (S. Mateus, XXV, 31-46).
     E para tornar mais familiar, quase visível, ao povo o pensamento do inferno, usa a comparação dos rebentos e da videira.
    “Eu sou a videira e vós os rebentos. O que permanece em Mim e Eu nele, esse dá muito fruto; porque, sem Mim, nada podeis fazer. Se alguém não permanecer em Mim, será lançado fora como o rebento, e secará, e o enfeixarão, e o lançarão no fogo, e arderá.” (S. João, XV, 5-6).
     Depois, falando dos escândalos, nosso bendito Salvador, geralmente tão cheio de doçura e mansidão, toma um tom terrível e os ameaça de condenação eterna.
     “Ai do mundo por causa dos escândalos! Porque é necessário que sucedam escândalos; mas ai daquele homem pelo qual vem o escândalo! E, se a tua mão te escandalizar, corta-a; melhor te é entrar na vida maneta, do que, tendo duas mãos, ir para o inferno, para o fogo inextinguível, onde o seu verme não morre, e o fogo não se apaga.
     “E se o teu pé te escandaliza, corta-o; melhor te é entrar na vida eterna coxo, do que, tendo dois pés, ser lançado no inferno, num fogo inextinguível, onde o seu verme não morre, e o fogo não se apaga.
     “E se o teu olho te escandaliza, lança-o fora; melhor te é entrar no reino de Deus sem um olho, do que tendo dois, ser lançado no fogo do inferno, onde o seu verme não morre, e o fogo não se apaga. Porque todo o homem será salgado pelo fogo, e toda vítima será salgada com sal.” (S. Marcos, IX, 42-48).
     Explica São Tomás que esse verme que não morre é o remorso da consciência, que há de atormentar o condenado no inferno para sempre; remorso pelo grande bem que perdeu, ele que tinha tantos meios de se salvar.
      A expressão será salgado pelo fogo significa que, assim, como o sal conserva as coisas, assim o fogo, no qual os condenados serão imersos, ao mesmo tempo que faz sofrer atrozmente, os conserva sempre em vida. Aí o fogo consome, diz São Bernardo, para conservar sempre. Neste trecho faz-se clara alusão aos sacrifícios legais que os hebreus tinham sempre diante dos olhos, e nos quais estava prescrito que se aspergisse com sal a vítima que era oferecida a Deus: Na verdade, os condenados são como vítimas da justiça divina.
    Eis como Jesus Cristo proclama continuamente no Evangelho o dogma do inferno, prevendo os assaltos que os incrédulos e libertinos dariam ao mesmo. Quanto a nós, permaneçamos inabaláveis em nossa crença, certos da existência do inferno, como da existência do Sol, da Lua e das outras coisas que nos cercam. Deus o revelou a nós e o ensina por meio da Igreja, e a palavra de Deus não falha.


Do livro “O Inferno Existe”

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