quarta-feira, 4 de março de 2020

A perfeita discípula do Senhor

Alexandre de Hollanda Cavalcanti


O Evangelho de São Lucas informa por duas vezes a profundidade da alma meditativa de Nossa Senhora: “Maria conservava a palavra de Deus, meditando-a em seu coração” (Lc 2,19.51).
A Santíssima Virgem Maria é o modelo perfeito e acabado da Igreja e de toda a humanidade, a primeira e mais perfeita discípula de Cristo[1]. O núcleo central desta exemplaridade de Maria é sua comunhão com nosso Redentor e sua total união com a sua missão salvadora. Por isso devemos compreender que ser Mãe de Deus é o maior privilégio da Virgem Maria, mas este privilégio só alcança sua plenitude por sua total união de intenções e coração na obra salvadora de seu Filho, de modo que, pelo parto virginal, Ela deu à luz ao Salvador e pelo “parto mais doloroso da história”, Maria deu à luz a seus filhos espirituais. Esta expressão “parto doloroso de Maria” é criada por São Ruperto de Deutz, que vê nesta união do sacrifício de Maria com o holocausto de Jesus Cristo, o nascimento dos seus filhos espirituais, o que foi confirmado pelo Senhor do alto da Cruz: “Eis aí a tua mãe” (Jo 19,27).
Sua eleição para ser mãe de nosso Salvador foi uma ação divina, mas a aceitação desta missão, com total fidelidade, foi uma opção pessoal e meritória de Maria. Isabel a proclama bem-aventurada por crer, afirmando que é em função desta fé que se realizaria tudo o que lhe foi dito da parte do Senhor (Lc 1,45). É por isso que Santo Agostinho faz uma afirmação ousada: “Maria foi a que melhor cumpriu a vontade do Pai, mostrando assim o modo mais excelente de ser Mãe de Deus, posto que é maior merecimento dela ser discípula de Cristo que Mãe dEle”[2]. 
Nossa Senhora tinha uma fé tão profunda que a levou a cooperar e crer no incrível: da morte de seu Filho viria a vitória definitiva.
Cada vez que assistirmos à Missa nesta Quaresma, recordemos a importância de compreender que a Santíssima Virgem está junto a cada altar, do mesmo modo que esteve no Calvário. Sua união com Jesus na nossa salvação faz com que Maria seja modelo também para os sacerdotes, que oferecem a Cristo em nome da Igreja, como Ela o ofereceu por primeira vez no altar da Cruz.
No formulário da Missa proposta pela Igreja para a comemoração de Maria junto á Cruz do Senhor, encontramos uma afirmação forte de São Paulo: “Deus não perdoou a seu próprio Filho”, entregando-o para morrer por nossa salvação e ressuscitar para interceder pelos homens junto ao Pai (cf. Rm 8,31b-39). Em função disso, São Paulo afirma a fortaleza e intrepidez que deve ter um cristão por confiar no seu único Redentor. Esta foi a confiança da “primeira discípula”, da cristã por excelência! Nunca se ouviu dizer nos Evangelhos, nem nos livros apócrifos, nem sequer saiu dos lábios dos inimigos da Igreja, que em algum momento Maria teve medo. Que a poderia separar de seu Filho? Aflição, angústia, perseguição? Para Ella nem morte nem vida... nenhuma força vinda da terra ou dos infernos poderia separá-la do amor a Jesus.
O Evangelho de São Lucas (2,41-51) recorda o que foi para Maria a primeira experiência do Calvário. Um momento chave de sua participação na vida de Jesus: a perda do Santo Menino, quando Ele tinha doze anos de idade. Não podemos imaginar que Jesus se perdeu no mundo criado por Ele! Sua ausência não poderia ser considerada como um ato de inconsciência infantil, mas como uma ação deliberada e consciente. O Menino se retirou propositadamente para cumprir uma missão reveladora, preparando sua Santíssima Mãe para seu sacrifício futuro. Para Maria foi uma grande prova: Ela não perdia só seu filho, Ela perdia o seu Deus!
Em sua humildade, Ela poderia conjecturar algumas hipóteses: o abandono por alguma infidelidade de sua parte, ou o desenlace antecipado dos vaticínios de Simeão, cuja espada já começava a dilacerar seu coração. A própria Bíblia atesta que Maria não entendia o que estava passando neste momento. Diz São Lucas: “Seus pais não compreenderam o que Ele lhes disse” (Lc 2,50).
Este evento encontra uma grande similitude com o drama do Calvário: Maria se encontra transida de dor durante três dias, devido à desaparição de seu Filho, que estava “na casa do Pai”. A perspectiva do sacrifício anunciado pelo profeta Simeão, que havia previsto que uma “espada de dor” transpassaria o coração de Maria (Lc 2,35), se faz presente neste episódio em que o sofrimento não está no Filho, mas no coração da Mãe. Ao mesmo tempo prefigura o desenlace do sacrifício do Calvário na glória e na alegria, pois a Santíssima Virgem encontra o Menino Jesus em postura gloriosa que pré-anuncia a Ressurreição e fica maravilhada. Depois, Ela expressa seu sofrimento: “Meu filho, por que nos fizestes isto? Teu pai e Eu te buscávamos angustiados” (Lc 2,48).
A resposta de Jesus indica que Maria e José conheciam sua origem celestial e sua missão evangelizadora. Nesse momento Jesus faz a primeira afirmação pública de sua filiação divina: “Não sabiam que Eu devo ocupar-me dos assuntos de meu Pai”? (Lc 2,49).
O Evangelista deixa claro que eles não entenderam, mas que Maria meditou profundamente todos estes fatos no seu coração, tomando a presença de Jesus na casa de seu Pai como o princípio fundamental que iluminará toda a sua vida[3].
Nesta meditação de hoje, guardamos dois ensinamentos importantes para nossa vida, especialmente nesta caminhada quaresmal junto com Maria:
Primeiro: Devemos conservar no nosso coração todas as graças, indicações, mensagens e até mesmo repreensões que recebemos de Deus, através de sinais, de inspirações interiores, ou até de ações e palavras de outras pessoas. “Deus escreve certo por linhas tortas”, diz o ditado... Mas nós podemos verificar que Deus escreve certo por linhas certas. Cabe a nós meditar em nossos corações para entender o modo certo de ver estas linhas, como Maria o entendeu ao encontrar a Jesus “na casa do Pai”. Depois necessitamos guardar o que escutamos de Deus no mais profundo de nosso coração, pois uma palavra de Deus, uma graça, nunca devem ser esquecidas.
A segunda lição que podemos tirar é da fé: Maria acreditou no impossível. Acreditou que morrendo na Cruz seu Filho vencia ao mundo. Por esta fé é que se realizou nela tudo o que lhe foi prometido. Quando nos encontremos diante do impossível, recordemos as palavras do Anjo Gabriel: “Para Deus nada é impossível” (Lc 1,37).
Os dias atuais repetem o caminho do Calvário; caminho de dor e de morte, de dúvidas e perplexidades, mas ao mesmo tempo de salvação para aqueles que, seguindo os passos de Maria, se juntam a Ela aos pés da Cruz. Sua fé foi submetida uma tríplice prova: a prova do invisível, do incompreensível e das aparências contrárias, mas Ela as superou do modo mais heroico. Efetivamente, Maria viu seu Filho gemendo no estábulo de Belém e acreditou que era o Criador do mundo. Viu-o fugir de Herodes e não deixou de crer que era o Rei dos Rei. Viu-o nascer no tempo e acreditou que era eterno. Viu-o pequeno, pobre, necessitando de alimento, chorando sobre o feno e o creu onipotente. Observou que não falava e o acreditou o Verbo do Pai, a própria Sabedoria encarnada. Viu-o finalmente, maltratado e crucificado, morrer sobre o mais ignominioso patíbulo e creu sempre em sua Divindade. Por mais que outros, até os próprios apóstolos, vacilassem na fé, Ela permaneceu sempre firme, não vacilou jamais[4].
Com o exemplo e a ajuda de Maria, nada temos a temer!


[1] Exortação Apostólica Marialis cultus, n. 35.
[2] Santo Agostinho, Obras completas de san Agustín, X. Sermones (2°) 51-116. Sobre los Evangelios Sinópticos, «Sermón 72 A, 7», 364-365.
[3] Cf. R. Laurentin, Jésus au Temple, 93.
[4] cf. Roschini, Gabriel Maria. Instruções Marianas. São Paulo: Paulinas, 1960, p.162.




Nenhum comentário: