quinta-feira, 12 de março de 2020

Maria: vítima na Vítima


Alexandre de Hollanda Cavalcanti
Acompanhar a Quaresma com Maria é bem diferente... Por isso quero te convidar a conhecer uma verdade teológica muito importante: Maria também é vítima por nossa salvação!
Alguém poderia perguntar: mas então... Ela é corredentora?
A Igreja ainda não se pronunciou sobre este termo específico, mas sim sobre a missão de Maria como colaboradora ativa em nossa salvação. Se Maria não tivesse participado ativamente de nossa salvação, Ela seria a mãe de nosso Salvador, mas não seria nossa mãe. No texto anterior, havíamos falado sobre a expressão de São Ruperto de Deutz: “O parto doloroso de Maria”.

É exatamente por ser vítima, por sofrer, compartilhando a intenção de Nosso Senhor de salvar a humanidade, que Maria é nossa Mãe espiritual. A Igreja ensina que, junto à Cruz, a Santíssima Virgem consentia voluntariamente na imolação de seu Filho para a redenção de todo o gênero humano. É importante observar uma expressão que só aparece no Evangelho de São João: “Junto à Cruz”. Os outros Evangelistas não a utilizam! A palavra “junto”, em grego istemi, ou juxta, em latim, tem um sentido muito específico: não significa somente “estar próximo”, mas é estar “de pé”, “apresentar-se”, numa atitude de prestatividade ativa[1].

Em seu recente livro sobre Maria Santíssima, Monsenhor João Clá se pergunta: “Por que o Evangelista afirma que Ela permanecia de pé? Não seria mais belo se Maria estivesse prosternada ou ajoelhada?” Ele mesmo responde: “Não, porque Ela participava daquela imolação”. Sua postura testemunha que Ela vivia a Paixão junto com seu Filho, procurando servir-lhe de sustento e consolo. Ela, que havia sido declarada “bendita entre todas as mulheres”, é agora considerada pelo populacho que insultava a Jesus crucificado, como a mais desprezível das mulheres, mãe de um condenado à morte infamante.
Quando nós passamos por algum drama em nossa vida, sempre encontramos consolo olhando para Jesus crucificado... a única criatura humana privada deste apoio espiritual foi Maria: contemplar a Jesus Crucificado aumentava seu sofrimento! Mas, se invertemos a perspectiva, e olhamos do alto da Cruz, vemos que Ela era a única criatura capaz de consolar seu Filho, que se contorcia entre as alucinantes dores da crucifixão, humilhado pelo desprezo daqueles pelos quais Ele sofria[2].
É exatamente junto à Cruz, pela união total de sofrimentos, que Maria exerce seu papel de “nova Eva”, tornando-se mãe da “humanidade nova” redimida pelo sangue de Nosso Senhor Jesus Cristo.
Maria se oferecia aceitando voluntariamente cada passo do desenlace doloroso da Paixão, caracterizando a união de duas vítimas: Jesus é a Vítima ao Pai e Maria é a vítima em Jesus. Foi tão grande a união dos dois que, se fosse possível, ensina o Papa São Pio X, Ela teria sofrido com gosto todos os tormentos que padeceu seu Filho[3].
Os Evangelhos deixam claro que a presença de Nossa Senhora durante a Paixão foi desejada intencionalmente por Ela. O próprio Jesus Cristo ressaltou a importância desta presença, dizendo-nos: “Eis aí a tua Mãe!”
Alguém poderia contestar: “Mas Jesus disse isto a São João, não a nós!”
A expressão “o discípulo amado”, ou “o discípulo que Jesus amava”, aparece seis vezes no Evangelho de São João e é muito discutida pelos teólogos, que propõem diversas teorias sobre a identidade deste discípulo. Uma característica dos escritos de São João é permitir duas, três ou até quatro níveis de interpretação sobre seus textos. Assim, a expressão “discípulo amado” identifica, ao mesmo tempo, o próprio Apóstolo João e os seguidores de Jesus de todos os tempos, quer dizer, os cristãos. Conclusão: não foi só a João, mas a você, a mim, a toda a humanidade, que Jesus revelou a maternidade de Maria que se consumava naquele momento cruciante.
Jesus havia dito a Nicodemos que era necessário “nascer de novo” para entra no Reino dos céus (Jo 3,3), expressão que confundiu o mestre da Sinagoga. Ao dizer “eis aí a tua mãe”, Jesus indica o modo de “entrar de novo no sei de uma mãe e nascer para Deus”: é fazer-se filho de Maria para voltar a ser criança e nascer dela, através de um novo “parto” pelo qual Maria dá à luz para Deus os novos filhos nascidos do sacrifício de Jesus Cristo. Esta perspectiva conduz a que, passado o drama da dor, e abertas as portas do céu, Maria se alegre com a vitória de seu Filho e com o nascimento da “humanidade vivente”, da qual Ela é mãe.
Como vítima redimida, participante e unida à Vítima redentora, a hora de Maria é a paixão e morte de Jesus: uma mesma dor oferecida ao Pai, com graus distintos, mas em total união de intenções. Quando Pilatos apresenta jesus e diz: “Eis aqui o Homem”, ele o está apresentando em sua relação total com sua Mãe, de quem Ele recebeu toda a natureza humana. Esta Vítima oferecida ao Pai é tirada do que é nosso, da nossa própria natureza, — afirma Hugo de São Victor — pela aceitação de Maria.
Sem dúvida, o momento culminante da participação dolorosa de Maria se dá durante os últimos momentos de vida de seu Filho, que se concluíram com o Consummatum est: Tudo está consumado! Aí Ela sofria junto com Jesus, através de sua compaixão. A dor de Jesus é a dor de Maria; os cravos que penetram o corpo do Filho, ferem as entranhas da Mãe. Sua dor se une à de seu Filho que tem sua liberdade onipotente presa por três cravos, criação de suas criaturas.
O Senhor havia dito: “onde está o teu tesouro, aí está teu coração” (Mt 6,21). Onde poderia estar o coração de Maria, senão no coração de seu Filho que estava cravado na Cruz? Seu oferecimento difere do de Jesus em forma e em essência, mas não em intenção e dor. Ela tinha inteira consciência ade que a Cruz era o preço do perdão dos pecados, ao mesmo tempo que era, para Ela mesma, o preço de sua conceição imaculada[4].
Ao olhar para a Cruz durante esta Quaresma, sigamos a indicação de Jesus e olhemos para Maria. É unindo a Ela cada momento de nossa vida, cada alegria, cada dor, cada sofrimento, que melhor nos unimos ao sofrimento de Jesus. Se compartilhamos com Cristo nossos sofrimentos, Ele compartilhará conosco sua vitória que se proclamou gloriosamente na Ressurreição.
Não permitas que a dor, a dúvida, a provação, desviem os motivos e intenções de teus sofrimentos. Vive a dor com Maria e compartilharás a glória do céu. Porém se vives tua dor nas profundidades escuras de teu egoísmo, lanças ao abismo tuas lágrimas, enterras teus méritos nas profundidades obscuras da terra. Olha a Jesus, contempla Maria e tua alma estará sempre com os olhos fixos na glória que te está prometida se fores fiel a este sacrifício que Cristo ofereceu para tua salvação.
Nos encontramos na próxima semana para continuar nossa caminhada quaresmal unidos à Santíssima Virgem, Mãe de nosso Redentor.


[1] Cf. J.C-R. García Paredes, Mariologia. Síntese bíblica, histórica e sistemática, 148-149.
[2] Cf. Clá Días, João Scognamiglio. Maria Santíssima! O Paraíso de Deus revelado aos homens. II, Os mistérios da vida de Maria: uma esteira de luz, dor e glória. São Paulo: Arautos do Evangelho, 2020, pp. 480-481.
[3] Cf. Ad Diem illum, n. 12.
[4] Cf. A.M. Artola Arbiza, Dolorosa. Meditaciones sobre la Compasión de María, 257-260.

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